quinta-feira, 2 de abril de 2015

Da Arte De Chupar Laranja - Crônica * Antonio Cabral Filho - RJ

(internet)

Eu sei que todos têm o direito de regatear de feira em feira só pra comprar um saco de laranja. Menos eu. 
Não sei se você conhece a feira da Taquara. Eu conheço. Vou lá quase todo sábado. Há mais de quarenta anos.
Antes de fazer as compras, paro na barraca de caldo de cana, como um pastel de queijo, me despeço e vou-me embora. 
Eu sei também que cada tem o direito de parar em cada barraca, mas se eu vou comprar só laranja, por que vou encher o saco do feirante com perguntinhas bobas? Por isso, vou direto no Chico, ele pega um saco de laranja lá dentro do caminhão pra mim, sem laranja velha, amassada nem bichada, pago e canto pneu.
Não sou "modelo" pra ninguém nem me proponho, mas não fico umbigado nas barracas jogando conversa fora e alugando a paciência dos outros.
Tem um sujeito que eu conheço lá da feira. Conheço, vírgula, de vista. Ele sabe que eu só vou naquela feira, já manjou meus hábitos. Aí, toda vez que ele me avista, corre para me alcançar e, às vezes consegue, devido ao engarrafamento. O negócio dele é puxar uma prosa. Só me chama de cumpadre. 
Um dia desses eu estava precisando comprar laranja lima, por causa do meu neto Gabriel, que não podia tomar suco àcido. Aí, eu parei numa barraca para examinar a laranja do cara e "ele" parou ao meu lado. Falava que nem uma matraca. Peguei uma laranja, apalpei, cheirei e ele falando. Pararam duas mulheres, quarentonas. Enquanto ele falava, eu cortava laranja e chupava. O barraqueiro não liga, pois sabe que eu vou comprar. Só que eu demoro pra chupar uma laranja. Primeiro, eu perscruto a maciez da sua casca, a saúde da fruta, se não tem furos de carunchos, cheiro-a e só depois desse ritual é que eu corto a laranja e vou chupá-la. As mulheres estão preocupadas, olhando de soslaio, rindo com o cantinho da boca, olhando por baixo. Ah, eu massageio a laranja e massageio bem massageada, que é pra ela soltar mais líquido. Não sei quantas laranjas eu já chupei, mas passaram-se uns quinze minutos, pedi um saco de laranja lima e continuei chupando laranja, enquanto " o cara" falava que nem uma matraca; foi quando uma das mulheres entrou no assunto: pensei " não vai prestar, mais um...", mas ela se dirigiu a mim, foi taxativa, me examinando de cima a baixo, falou: Você acaricia uma mulher assim como faz com a laranja, não , por que é quase uma gozada; eu acho que a laranja goza...mas chegou meu saco de laranja, joguei o dinheiro ao feirante, e, quer saber de uma coisa? Vou dar um tempo da feira da Taquara...
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