Economia Política da Latinha
(Foto: assis metasi )
*
Economia Política da Latinha
Quem anda pelas ruas das grandes cidades brasileiras, talvez por distração, não nota a economia mundial circulando ao seu lado, utilizando para isso uma das mais brutais formas de exploração, o trabalho braçal, quando homens que em sua maioria não possuem qualificação profissional suficiente para ocuparem espaço no mercado de trabalho formal, estão arrastando um carrinho de duas rodas chamado 'burro sem rabo' carregado até às nuvens com todo tipo de quinquilharia que lhe possa render
algum trocado nas recicladoras. Ocorre que estas têm uma política de preço, em sua maioria, articulada com o preço de mercado internacional do produto em causa.
No caso do alumínio, ele possui várias classificações, e, o mais caro é o tipo HG, que nem vale a pena se perguntar o que quer dizer. Mas deixa pra lá. Vamos apenas tomar um tipo como base para pensarmos o modo como as recicladoras explora os catadores. Esse tipo de alumínio está cotado hoje, 17 de outubro de 2016, a US$ 2.099.476 tonelada, o que em valores nacionais corresponde a quase 10.000,00 reais. Ou seja, a recicladora tem de rebaixar o preço do alumínio do catador para permitir-lhe elevar a sua margem de lucro no repasse para os exportadores. Por exemplo, em Jacarepaguá, oeste da cidade do Rio de Janeiro, o catador está recebendo R$2,50 por quilo de latinha, e esse preço permite que o seu comprador consiga até o dobro lá no repasse. Pensando bem, se ele conseguir operar com esse preço/kg, a tonelada sairá por R$2.500,00, ou seja, um quarto do preço de mercado internacional. Com essa base, ele tem maior margem de barganha com os exportadores. Quanto ele vai conseguir na revenda do alumínio, a gente não sabe. Mas o que a gente pode assegurar é que ele tem três vezes mais chances de conseguir um bom negócio.
Mas nessa matemática financeira toda há um detalhe que dificilmente alguém percebe: é o fato de o catador estar informado da política de preços internacionais dos produtos por ele recolhidos, e mais, saber o que é uma commodity.
Dia desses eu estava indo ao correio postar uns livros para clientes e me deparei com um catador orientando outro sujeito que me pareceu ser catador também e percebi que ele falava sobre essa política de preços internacionais. Segundo ele, o alumínio brasileiro estava perdendo para outros concorrentes devido ao fator processamento; que o alumínio brasileiro estava saindo daqui em estado bruto - matéria prima - enquanto nos demais países ele era prensado em lingotes, devidamente medidos e pesados, obedecendo a acordos entre os negociadores, o que agregava valor ao produto final. Nesse momento, o catador puxou do bolso uma folha de jornal, devidamente dobrada, abriu-a e mostrou para o outro as referências sobre os tipos de alumínio e os referidos preços por tonelada de cada um. Ambos se dirigiram para a lanchonete mais próxima, sujos e esfarrapados como estavam e pediram uma garrafa pet 2 litros de água. Se sentaram à mesa e começaram a debater os preços que recebiam por quilo de latinha catada.
Achei aquela conversa dos catadores tão instrutiva que saí de perto deles com a cabeça devidamente mudada sobre o tipo de gente que cata latinhas, e agora sinto-me abalizado para considerar que não se trata de tabaréus ignorantes e burros, covardemente roubados pelos receptadores, mas convencido de que dependendo da conjuntura política internacional, podem até influenciar na política de preços locais, justamente por se tratar de pessoas esclarecidas e capazes de entender as relações sociais e a economia política em que estão inseridos.
*