domingo, 26 de julho de 2015

Folclore Sobre o Parto * Antonio Cabral Filho - RJ

-mandinhafofolete-

 FOLCLORE SOBRE O PARTO - CRÔNICA 


O mundo religioso é fantástico em todos os sentidos, e, no que diz respeito ao nascimento, ao parto, à nossa vinda ao mundo, é riquíssimo de magia. Ninguém discorda. Possui tanta fantasia quanto qualquer conto de fadas, lendas e causos, além de integrar o imaginário surperticioso da nossa gente. Para justificar toda a crendice popular, contam-se ainda com o apoio do folclore com seus personagens tais como a predestinada cegonha.

Não conheço muito sobre isso nas demais religiões, mas no cristianismo o acervo é farto. Basta lembrarmos das orações e simpatias para engravidar, da devoção aos santos católicos, entre os quais Nossa Senhora do Bom Parto lidera as vocações, colocada depois da Mãe Suprema Nossa Senhora, é claro! Uma oração que circula no mundo mineiro e permeia minha família, diz mais ou menos assim: 

 " ORAÇÃO PARA UM BOM PARTO: 

Ó Maria Santíssima, vós, por um privilégio especial de Deus, foste isenta da mancha do pecado original, e devido a este privilégio não sofreste os incômodos da maternidade, nem ao tempo da gravidez e nem no parto; mas compreendeis perfeitamente as angústias e aflições das pobres mães que esperam um filho, especialmente nas incertezas do sucesso
ou insucesso do parto. 

Olhai para mim, vossa serva, que na aproximação do parto, sofro angústias e incertezas. Dai-me a graça de ter um parto feliz. Fazei que meu bebê nasça com saúde, forte e perfeito.

Prometo orientar meu filho, sempre pelo caminho certo, o caminho que o vosso Filho, Jesus, traçou para todos os homens, o caminho do bem.

Virgem, Mãe do Menino Jesus, agora me sinto mais calma e mais tranquila porque já sinto a vossa materna proteção. Nossa Senhora do Bom Parto, rogai por mim!"

Desde a gravidez, passando pela gestação, até ao tapinha na bunda, somos uma criação tão fantástica, que só a festa pela nossa chegada justifica. Contam lá em casa, que assim que minha mãe sentiu as dores, mandou chamar a comadre Zulmira, parteira das mais respeitadas nas imediações do Suaçuí, ali entre Itambacuri e Valadares. É claro que a Dindinha Zulmira atendeu de imediato.

Era uma quinta-feira, véspera de sexta! Um pouco após a boca da noite. Mais rápido que fogo no mato seco, a notícias se espalhou. Hoje tem um "mijo" lá na casa do Cabral. Tia Zulmira foi pra lá, Quinquinha também. Mais um conselho de oradoras, que reúne as melhores rezadeira destas paragens. Não vai faltar pinga, nem torresmo, nem uma travessa de costela requentada com farinha, todos os violeiros estarão lá, os melhores pés de valsa, e um exército de aquecedoras de umbigo. 

Contam lá em casa que mamãe gemia de estremecer o assoalho, dizem que dava a impressão de que ela ia parir um gigante e que quando ela elevava o volume dos gemidos, as oradoras seguiam-na no volume da oração. Dizem que Nossa Senhora nunca foi tão invocada! Mas a noite avançou, o forró comia solto, papai de vez em quando invadia o quarto com os olhos arregalados, pra logo ser expulso pelas rezadeiras, aos gritos "qué azarar a vida do nascente?!", pois dizem os mais antigos que os pais, só os pais, não podem presenciar o nascimento dos seus filhos, pois gera má sorte. E, saia correndo com sua caneca de "mijo" na mão. Ia se juntar à cunhadada, ao mulherio, ao povaréu que se formou em torno da nossa casa na noite de 13 pra 14 de agosto de 1953. 

"O sofrimento foi grande, mas valeu a pena!", diz hoje minha mãe, com ares de aliviada. Afinal, não é fácil! O primeiro ninguém esquece. E quando tiro uma casquinha com a cara dos meus irmãos, dizendo-lhes que a vida deles sempre foi uma maravilha, pois contaram comigo para pavimentar-lhes a estrada, eles querem briga. Mas ficam quietinhos é quando eu pergunto pra mamãe " o que a parteira disse à senhora, quando ela pegou-me nas mãos? Vai, diz pra eles!" Faz-se um misto de silêncio e nervosismo e ela responde:" Don"Ana, é ome!"

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