domingo, 26 de abril de 2015

Crônica Do Lavrador Das Almas * Antonio Cabral Filho - RJ

A Educação Como Cultura,
Carlos Rodrigues Brandão,
Editora Brasiliense, 1985.
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CRÔNICA DO LAVRADOR DAS ALMAS

Desde muito cedo, creio que por volta dos 15-16 anos, passei a crer que a educação é um dos maiores instrumentos de transformação social.  Por exemplo, sempre constatei que pessoas cultas vivem melhor. Ou seja, se alimentam melhor, se vestem melhor, se relacionam melhor com o mundo, são mais felizes em tudo que fazem, sobretudo, no amor, como provam Sartre e Simone de Beauvoir.

Se algum dia, alguém quiser saber sobre mim, saibam que eu venho da Passeata dos Cem Mil, aonde fui me encontrar comigo mesmo, antes de completar 16 anos. Me confrontei sempre, seja com meus pre-conceitos, vindos do berço, seja com os vindos do mundo.  Mas sempre me confrontei mais ainda com os conceitos impostos por algum instrumento de opressão.

Mas a minha maior vitória, a minha maior felicidade, contra tudo que vislumbro no mundo da opressão, é constatar que pessoas como Rubem Alves, Nelson Mandela, Paulo Freire,  e tantos e tantos contadores de causos pelo mundo afora, sobretudo no mundo rural, principalmente brasileiro, são  pessoas que comungam comigo do mesmo sentimento: Transformar pela educação. Nesse conjunto, eu incluo o Carlos Rodrigues Brandão, que através do seu livro citado acima, deu-me segurança quanto aos meus conceitos espontâneos de trabalho revolucionário. Foi com esse livro que eu parei de fazer uma militância política voluntarista e passei a montar oficinas de trabalhos culturais, desenvolvendo teatro, literatura, cinema, artes plásticas e contação de histórias, como sedimentação da memória individual.  Inicialmente, isso foi fonte de conflito com os grupos organizados no interior dos movimentos populares, mas eu passei a ignorá-los e segui adiante, realizando meus projetos de modo individual, contando apenas com o interesse das pessoas carentes de informação.

Confesso que foi doloroso, principalmente ver a maioria das "Correntes de Esquerda" mergulharem na social-democracia, serem tragadas pelo PT e pelo populismo católico, disfarçado de Teologia da Libertação. Não me intimido ante a  avalanche de ONGs, todas gerando "boquinhas" para uns e desilusão para a maioria; todas empenhadas em fazer do povo vaquinha de presépio dos seus interesses escusos, incapazes de trabalharem junto ao seu semelhante com o único objetivo de aguçar a sua consciência humana e cidadã.

Nessa minha humilde trajetória, desde os anos setenta, encontrei muitos intelectuais comprometidos com a transformação das consciências rumo à transformação social, mas poucos contribuiram comigo tanto como o Carlos Rodrigues Brandão, talvez mais pela leitura particular que faço dos seus trabalhos, como por exemplo o texto de abertura do livro acima: "A MENINA QUE LÊ...

Certamente a menina lê. A corda frouxa entre a mão direita e o pescoço do boi - ou será um búfalo? -  sugere que não há esforço e, menos ainda, perigo, embora o animal seja imenso e ela pequena. A quietude do olhar do bicho não deixa dúvidas: apesar do longo chifre, ele é manso e, mais do que apenas domesticado, é doméstico. Não fosse assim, quem o entregaria aos cuidados de uma menina pequena e descalça, que lê enquanto trabalha e caminha? Pois, pelo menos enquanto atravessam a trilha ao longo do canal, parece nem ser necessário prestar atenção  ao caminho e ao trabalho e, por isso, é possível ler."

Me contento apenas com esse trecho do texto do CRB, para a partir daí, desenvolver uma longa oficina de texto e de leitura, seja com crianças, seja com adultos, uma vez que o nosso "mundo moderno" nos impõe dificuldades terríveis para pegarmos um livro, sobretudo no campo.
Por isso, em mais um DIA DO AGRICULTOR E DO LIVRO, registro a minha singela homenagem

LAVRADOR E ESCRITOR
COMUNGAM RAZÕES DE ORGULHO,
POIS TRANSCENDEM DE FERVOR
NO 25 DE JULHO.

ANTONIO CABRAL FILHO, Rio de Janeiro -Rj
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domingo, 19 de abril de 2015

Crônica Do Conto * Antonio Cabral Filho - RJ

CRÔNICA DO CONTO

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“E quem conta estórias
vive várias vidas numa só.
Afonso Romano de Sant’Anna”

Creio que todos, sem exceção, tentam fazer sempre o melhor, em se tratando do ofício literário.
No meu caso, de autodidata, isso é um exercício permanente. Não me contento em simplesmente escrever alguma coisa e pronto! Não. Fico bisbilhotando outras formas de dizer aquilo que desejo passar. Se um determinado assunto fica melhor num poema ou conto ou crônica, e assim vou experimentando os meios que melhor se apresentam para o tema dado.

Às vezes confiro a quantidade de certificados, diplomas e declarações de oficinas, cursos e congressos dos quais já participei, na tentativa de pesquisar as formas literárias sobre conto e crônica, dos quais, não raro, saí  frustrado, pois esperava demais dos “MESTRES”, na busca da solução, da panacéia, da pedra filosofal na arte da literatura. Às vezes, noto que a maioria não tem mesmo caminho nenhum a oferecer a ninguém e suas iniciativas não passam de “arapucas” pra pegar trouxa e tomar dinheiro de idiotas caçadores dos mapas do tesouro.

E foi por perceber “isso” em grande parte dos “cursistas” que passei a pensar por mim mesmo, a decidir que a forma de dizer algo sobre determinado assunto se torna ARTE não pela quantidade de papel gasto para escrevê-lo, mas pela artimanha narrativa utilizada pelo autor, tornando o conteúdo atraente para o leitor. Aliás, essa arte de dizer é muito patente em Machado de Assis, considerado, ainda hoje, 175 anos após seu nascimento, o nosso maior exemplo de narrador, e, por incrível que pareça, um medíocre poeta parnasiano. Pode?!

Bom, não costumo apresentar fontes consideradas influências literárias, mas sempre gostei de ler aqueles caras que nunca foram encontrados na lista dos Best-sellers. Há um livro, possivelmente raro entre as antologias de contos, intitulado Os mais Brilhantes Contos Brasileiros, que levou-me a desconfiar dos “teoréticos”, impostores de escolas literárias, gente que vive às custas de determinados modismos no mundo das letras. Nesse livro, eu encontrei um esclarecimento a respeito de conto que, para mim, resolve o problema, diz o que é qualidade narrativa, mostra a importância de construir uma boa trama, apoiada numa argumentação eficiente, sem mais-mais. E prova essa sugestiva com um causo popular sobre “Aprendiz de Feiticeiro: Havia, certa vez, um homem que desejava, a todo custo, ser feiticeiro. Passou meses e meses inclinado sobre tratados de magia. Por fim, logrou ser admitido na Academia do Grande Arcano. Isso, porém, a custo de muitos pedidos e de insistentes rogos, pois as vagas eram poucas e os candidatos muitos.
O curso era rigoroso, mas nosso aprendiz de feiticeiro estudava com afinco. Admissão...Primeiro ano...Segundo ano... O estudante ia sendo promovido de classe em classe. Afinal, chegou o grande dia da Grande Iniciação, na qual os alunos seriam submetidos à prova suprema do Rito de Caravaca. Perante a banca examinadora, porém, nosso herói embatucou.
- Mas é incrível! Exclamou o presidente da banca.
- O senhor, um aluno tão aplicado, que fez tão belo curso, agora fracassa! Nem parece feiticeiro!...
- Vossa excelência tem razão... – Balbucia o examinando. – Sim, não sou feiticeiro... Mas tinha tanta vontade de ser!...
- Como?! Exclama os membros da banca, sobressaltados. Um silêncio de morte reina no salão por alguns segundos. Por fim o presidente explode:
- Mas que ousadia! Então o Sr não é feiticeiro!... E se o Sr não é feiticeiro, de que lhe adiantaria o curso?!...”
Depois dessa, nunca mais freqüentei cursos literários, convencido de que    QUEM É ja nasce feito e me concentrei em ouvir meu avô paterno, um contador de causos que reunia platéia, com todo mundo sentadinho de olhos pregados nele e ouvidos atentos.

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domingo, 12 de abril de 2015

Panaceia G20 * Antonio Cabral Filho - RJ

ANTOLOGIA 13 - POSTAL CLUBE 2011
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FINDA HOJE MAIS UMA REUNIÃO DO G20, O GRUPO DOS PIORES PAÍSES DO MUNDO, SEMPRE EM BUSCA DE UMA GARRAFADA PARA TODOS OS SEUS MALES. E O MAIS INTERESSANTE É QUE DESTA VEZ O MOTIVO DO EVENTO
NÃO É RESOLVER PROBLEMAS DE ALGUM MEMBRO DO GRUPO OU DE ALGUM CONTINENTE AMEAÇADO POR CATÁSTROFES, MAS SIM, SALVAR-SE A SI PRÓPRIO DA INADIMPLÊNCIA GENERALIZADA. COMO TEMOS OBSERVADO AO LONGO DAS ÚLTIMAS DÉCADAS, TAIS CÚPULAS SÓ SE ENCERRAM QUANDO ENCONTRAM O SEU " BODE EXPIATÓRIO DE PLANTÃO", DESTA VEZ DENOMINADO "PAPADEPULUS ", SOBRE O QUAL DESCARREGA SUAS TONELADAS DE COVARDIA.

PORÉM, HÁ UM ASPECTO IMPORTANTE A SER DESTACADO. É QUE DE TODO SEU MANANCIAL DE SOLUÇÕES SEMPRE DISPONIBILIZADO AOS PARCEIROS, TAIS COMO AJUSTES FISCAIS TENEBROSOS, APROPRIAÇÕES DE FONTES DE DIVISAS DEVIDAMENTE IMPRÓPRIAS E EMPRÉSTIMOS PLANEJADOS COM O FIM DE LEVAR O ENDIVIDADO À SUBMISSÃO MAIS HUMILHANTE, DESTA VEZ NOTA-SE TOTAL DESCONTRAÇÃO NO COMPORTAMENTO DE TODOS OS SEUS LÍDERES, COMO SE NENHUM DELES TIVESSE INTERESSE EM SAQUEAR O SEU SEMELHANTE, POIS TODOS ELES SEM NENHUMA EXCEÇÃO, NÃO DEMONSTRAM A MÍNIMA PREOCUPAÇÃO COM O ROL DE PROBLEMAS QUE AFETA A ECONOMIA DOS PAISES  REPRESENTADOS, DANDO A IMPRESSÃO DE QUE " NÃO ESTÃO NEM AÍ ", E QUE PARECEM ESTAR INDO A UM ENCONTRO DE GAROTÕES PÓS-ADOLESCENTES PARA COMER CHURRASCO OU COISA PARECIDA.

BOM, PELO ADIANTADO DA HORA, VEJO QUE O ENCLAVE VAI ACABAR EM PIZZA, CHOPP, CHÁ COM TORRADAS, UM BIRICUTICO NO BOTECO DO "SEU KUZI" OU SEI LÁ O QUÊ, MENOS EM RESOLUÇÕES QUE APONTEM AS SAÍDAS DESEJADAS PELOS AMOTINADOS DA GRÉCIA, ITÁLIA, LONDRES, BONN, PARIS, MADRI, LISBOA, NOVA YORK E DO VIADUTO DO CHÁ, QUE TÃO ANSIOSAMENTE AGUARDAM UM EMPREGO E ALGUMA CHANCE DE VISLUMBRAREM UM PERU NA MESA DE NATAL DAQUI A 47 DIAS.

MAS ASSIM COMO AQUELE BRUXINHO POSTO PARA ESCANTEIO EM TODO CONGRESSO DE BRUXARIA, TAMBÉM EU ME ARRISCO A SACAR DA CARTOLA MINHA " RECEITINHA " DE FEITIÇO E COMO TEM DADO CERTO A PROPOSTA DE TORNAR EM PONTO TURÍSTICO OS DEPÓSITOS DE POBRES POPULARMENTE CONHECIDOS COMO FAVELA, GOSTARIA DE ENCAMINHAR À DIREÇÃO DOS TRABALHOS O MEU ADENDO À PAUTA, ACRESCENTANDO DOIS, SÓ DOIS, ÍTENS COMO SUGESTÃO PARA GERAÇÃO DE RECEITA NO SENTIDO DE COLABORAR PARA A REDUÇÃO DO SOFRIMENTO DESSES CONTINENTES TÃO ASSOLADOS PELA MISÉRIA. GOSTARIA QUE ASSIM COMO TEM SIDO EXITOSO O PROJETO DE TURISMO NAS FAVELAS, GERANDO DIVISAS PARA INVESTIDORES E GOVERNOS DE DIVERSAS NAÇÕES, TAMBÉM FOSSE LEVADO A ESTA DISTINTA PLATEIA A CONSIDERAÇÃO DOS PONTOS E SEGUIR E SUAS JUSTIFICATIVAS: L - DESENVOLVER O PROJETO TURISMO PRESIDIÁRIO. JUSTIFICATIVA: A IMPLANTAÇÃO DESTE PROJETO É DE EXTREMA JUSTIÇA, PRIMEIRO PELA GERAÇÃO DE EMPREGO, DANDO PRIORIDADE AOS FAMILIARES DOS APENADOS COMO GUIAS TURÍSTICOS, UMA VEZ QUE O "SISTEMA" TEM SIDO EXTREMAMENTE EFICIENTE NA SUA PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO; SEGUNDO, ELEGER COMO PÚBLICO ALVO AS CLASSES DOMINANTES, CONSIDERANDO QUE TAIS CAMADAS SOCIAIS SÃO CONSTITUÍDAS PELOS PIORES ELEMENTOS DA SOCIEDADE; LOGO, A SUA PRESENÇA NOS PRESÍDIOS FAZENDO HAPPY HOUR SERIA UM PROFÍCUO TRABALHO DIDÁTICO, POIS EDUCÁ-LOS-IA NO USO DE SUAS FUTURAS RESIDÊNCIAS E PRODUZIRIA UM SUBSTANCIOSO RETORNO FINANCEIRO IMEDIATAMENTE, MUITO MAIS CONSISTENTE DO QUE REUNÍ-LOS NOS REVEILLONS DO COPACABANA PALACE.

CREIO QUE A DISTINTÍSSIMA PLATEIA APROVARÁ A PROPOSTA ACIMA POR ACLAMAÇÃO, DADO SEU INCOMENSURÁVEL GRAU DE RELEVÂNCIA SOCIAL, PELO QUE PASSO AO PONTO 2 DO MEU ADENDO: L - DESENVOLVER O PROJETO TURISMO HOSPITALAR. JUSTIFICATIVA: ASSIM COMO O TURISMO NAS FAVELAS E O TURISMO PRESIDIÁRIO PROVAM-SE AUTO-SUSTENTÁVEIS E FUNDAMENTAIS PARA SEUS USUÁRIOS, O PRESENTE NÃO DEIXA NADA A DESEJAR. OS SENHORES INVESTIDORES PODEM APRONTAR LOGO SUAS LINHAS DE FINANCIAMENTO PARA CONTRATAREM DOUTORES EM RECURSOS HUMANOS, POIS SEM ELES NÃO PRODUZIRÃO PARASITAS COMPETENTES PARA GUIAREM VISITAS ATRAVÉS DAS ALAS, BLOCOS E CIDADES HOSPITALARES, PROMOVENDO O DELEITE DOS SEUS TURISTAS AO CONHECEREM OS SEUS MAIS AVANÇADOS CONSUMIDORES DE TODO O PROGRESSO ALCANÇADO PELO PARQUE CIENTÍFICO-TECNOLÓGICO QUE O VOSSO "SISTEMA" GEROU ATÉ AGORA. TENHO CERTEZA QUE SERÁ UM GRANDE PRAZER OS SEUS TURISTAS ASSISTIREM A DEMONSTRAÇÕES "FRANKENSTÊINICAS" EM QUE SEUS CLOWNS FANTASIADOS DE MÉDICOS RETALHAM CALMAMENTE SEUS " PACIENTES " EM FATIAS QUASE TRANSPARENTES USANDO UMA SIMPLES "MAQUITA" EM VEZ DE BISTURI.

PODERIA CONTINUAR DANDO EXEMPLOS ENRIQUECEDORES AO SCRIPT DE SEUS ATORES E COMPROVANDO-LHES COM NÚMEROS E TABELAS A SUA RENTABILIDADE INSTANTÂNEA, E ISSO SEM SE PREOCUPAR COM SATURAÇÃO MERCADOLÓGICA, DADA A IMENSA PRECISÃO DE VOSSO "SISTEMA"  NA PRODUÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA, OU SEJA, DE POBREZA RECOLHIDA ÀS FAVELAS; DE DELINQÜENTES EMPILHADOS NAS PRISÕES DE SEGURANÇA MÁXIMA E DAS MONTANHAS DE CARNE HUMANA EM ESTADO PUTREFATO ESTOCADAS NOS FRIGORÍFICOS DENOMINADOS HOSPITAIS, E, ANTES DE CONCLUIR, GOSTARIA DE LEMBRAR-LHES QUE UMA ENTIDADE BRASILEIRA DEDICADA À PESQUISA CHAMADA"FÊGUEVÊ" ACABA DE FAZER UM VERDADEIRO ACHADO COMPARÁVEL SOMENTE AO ADVENTO DA PÓLVORA E SE TRATA NADA MAIS NADA MENOS DO QUE A CONSTATAÇÃO DE QUE O DESEMPREGO EM SEU PAÍS É MAIOR NAS CIDADES ONDE É MAIOR A POPULAÇÃO NEGRA, ( BERREM! É!! ), MAS COMPREENDO E RESPEITO A ANSIEDADE QUE DEVASSA A TODOS VÓS PELA ALEGRIA DE UM CHOPP SEM COLARINHO; MUITO OBRIGADO.

ANTONIO CABRAL FILHO        
   
           RIO, 08 DE NOVEMBRO DE 2011.

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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Pôs-se O Sol Na Ilha De Eduardo Da Silva Madalena * Antonio Cabral Filho - Rj

A ILHA DO PÔR DO SOL
Eduardo da Silva Madalena
Rio de Janeiro 2014
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Neste domingo de carnaval, 02 de março de 2014, eu não fui à missa com minha mulher, coisa que raramente faço. Devido à garganta do Gabriel, meu neto, fiquei em casa, feicebuquiei um pouco, tomei café à vontade, vi desenho com ele enquanto tomava a dedela; enfim, foi uma manhã maravilhosa.

Às onze horas Rose chegou. Como sempre, cheia de histórias pra contar. Por exemplo, para ela é a maior novidade quando vem um padre diferente celebrar a missa. Ela acha demais, fica toda em polvorosa, parece até que chegou um astro pop na igreja. Está toda empolgada com a indicação do Orani João Tempesta para cardeal, que pra mim, é só "jogo do populista católico argentino".  Mas se a liturgia passar lá pelas bandas da luta de classes, ela aperta meu braço e diz "esse é companheiro!" Não sai pra ir embora enquanto não falar com cada uma das conhecidas, das primas, das tias e que tais. Nessas ocasiões, eu fico de braços cruzados olhando a aflição dela e, quando termina, eu ergo a mão e dou um tchau bem longo pra todo mundo e sumo.

Mas hoje foi diferente. É que além desse cardápio todo, a novidade estava lá fora, na porta da igreja. Entre tanta gente vendendo alguma coisa, excursionistas chamando para os passeios, artesãos vendendo camisas estampadas, salgadistas, doceiros, havia um senhor claro, de uns setenta anos presumíveis, segundo ela, distribuindo livros. É meu amigo! Distribuindo livros! Fantástico, não é?! Pois é, ela diz que ainda perguntou pra ele quanto era, qual o preço, mas diz que ele respondeu que era grátis! Ela guardou o livro na bolsa e trouxe pra casa, não sem antes ler, pelo menos, o primeiro capítulo; que diz o seguinte:
 "
Esta é a história de uma mãe, que mesmo depois de falecida, ainda vem se sentar na beira da cama de um dos filhos, preocupada com o destino deles. Ela narra toda a trajetória da saída deles até chegar na Ilha do Pôr do Sol, e o menino ouvia com muita atenção e guardava tudo na memória. O menino se levanta, vai até à cama do irmão Leo e diz:
- Leo, Leo, acorda, nossa mãe veio me ver hoje e disse que nós temos que ir embora daqui, porque nosso destino é incerto, nosso pai está bebendo cada vez mais desde que mamãe faleceu, ela disse para irmos para a casa da vovó na Ilha do Pôr do Sol que fica muito longe daqui, mas eu tenho todo o nosso trajeto guardado na mente, então pega as tuas coisas e vamos embora.

Pegamos o barco que ela falou, chegamos à Ilha do Mar Verde e depois partimos para a Ilha do Pôr do Sol. Chegando lá, subimos ladeira acima até à casa da vovó Zefinha, foi muita alegria na chegada e muita tristeza na partida com a morte da vovó. São coisas que marcaram nossa infância, foi uma odisséia de realidade e imaginação. espero que tenham gostado e agradeço. As personagens dessa história existem, Leo, Duda, Mag mas estão com mais de setenta anos e é uma história quase real.

espero que gostem desta odisséia e agradeço a quem ler, aIlha do Pôr do Sol existe, só não com esse nome."

Bom, o Autor não fornece dados biográficos nenhum. Só o livro,
 com referência a outro livro

DORMINDO COM GENERALLI
Eduardo da Silva Madalena,
mas fica aqui o registro desse momento fugaz, do encontro de um escritor com a esposa de outro escritor, nesta manhã de domingo de carnaval.

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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Da Arte De Chupar Laranja - Crônica * Antonio Cabral Filho - RJ

(internet)

Eu sei que todos têm o direito de regatear de feira em feira só pra comprar um saco de laranja. Menos eu. 
Não sei se você conhece a feira da Taquara. Eu conheço. Vou lá quase todo sábado. Há mais de quarenta anos.
Antes de fazer as compras, paro na barraca de caldo de cana, como um pastel de queijo, me despeço e vou-me embora. 
Eu sei também que cada tem o direito de parar em cada barraca, mas se eu vou comprar só laranja, por que vou encher o saco do feirante com perguntinhas bobas? Por isso, vou direto no Chico, ele pega um saco de laranja lá dentro do caminhão pra mim, sem laranja velha, amassada nem bichada, pago e canto pneu.
Não sou "modelo" pra ninguém nem me proponho, mas não fico umbigado nas barracas jogando conversa fora e alugando a paciência dos outros.
Tem um sujeito que eu conheço lá da feira. Conheço, vírgula, de vista. Ele sabe que eu só vou naquela feira, já manjou meus hábitos. Aí, toda vez que ele me avista, corre para me alcançar e, às vezes consegue, devido ao engarrafamento. O negócio dele é puxar uma prosa. Só me chama de cumpadre. 
Um dia desses eu estava precisando comprar laranja lima, por causa do meu neto Gabriel, que não podia tomar suco àcido. Aí, eu parei numa barraca para examinar a laranja do cara e "ele" parou ao meu lado. Falava que nem uma matraca. Peguei uma laranja, apalpei, cheirei e ele falando. Pararam duas mulheres, quarentonas. Enquanto ele falava, eu cortava laranja e chupava. O barraqueiro não liga, pois sabe que eu vou comprar. Só que eu demoro pra chupar uma laranja. Primeiro, eu perscruto a maciez da sua casca, a saúde da fruta, se não tem furos de carunchos, cheiro-a e só depois desse ritual é que eu corto a laranja e vou chupá-la. As mulheres estão preocupadas, olhando de soslaio, rindo com o cantinho da boca, olhando por baixo. Ah, eu massageio a laranja e massageio bem massageada, que é pra ela soltar mais líquido. Não sei quantas laranjas eu já chupei, mas passaram-se uns quinze minutos, pedi um saco de laranja lima e continuei chupando laranja, enquanto " o cara" falava que nem uma matraca; foi quando uma das mulheres entrou no assunto: pensei " não vai prestar, mais um...", mas ela se dirigiu a mim, foi taxativa, me examinando de cima a baixo, falou: Você acaricia uma mulher assim como faz com a laranja, não , por que é quase uma gozada; eu acho que a laranja goza...mas chegou meu saco de laranja, joguei o dinheiro ao feirante, e, quer saber de uma coisa? Vou dar um tempo da feira da Taquara...
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