sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Rua Lima Barreto - Crônica * Antonio Cabral Filho - Rj

Rua Lima Barreto


Rua Lima Barreto, ora...Quem vai saber se existe isso! Ninguém anda por aí se perguntando quem é o sujeito que batiza a rua. Todos cruzamos com personalidades pelas ruas a fora e nem perguntamos quem são, como se deu dia desses comigo. Fui levar um dito cujo no "Lourenço Jorge" e deparei com o Luis Carlos Prestes; saindo de lá, passei pela "Airton Senna", fiz um retorno e segui a "Abelardo Bueno"; e devido a um desvio de trânsito, fui pela "Salvador Allende", passei pela Estação Guinard do BRT, entrei na "Benvindo de Novais", saí na "Bandeirantes" e segui direto até a esquina da "Olof Palme". Aí, parei e pensei nesse troço... Quem são essas pessoas? Por que não nos perguntamos quem são? E por que elas estão sendo homenageadas dando nomes às ruas, praças, avenidas ...
Era sábado de manhã e eu tinha ido comprar um miúra, que até estava barato. Parei na esquina, olhei para os lados e vi a placa: Rua Lima Barreto. Imediatamente, veio a satisfação de saber que um escritor brasileiro, negro, pobre, discriminado inclusive por negros, entre eles Paulo Barreto - o João do Rio - e Machado de Assis, o fundador da Academia Brasileira de Letras, era homenageado como nome de rua exatamente no bairro que lhe viu morrer. Dirigi-me a uma lanchonete com o intuito de tomar um café enquanto esperava o vendedor do carro. E, mal dei dois passos, vi aproximar-se de mim um preto velho. Cumprimentou-me, educadamente, o que provocou a minha curiosidade. Queria saber se eu podia lhe pagar um lanche. E respondi-lhe "claro!"; convidei-o a sentar-se comigo e fomos adentrando o estabelecimento. Logo, sem a menor desfaçatez, apareceu um sujeito branco, estatura mediana, vestindo um uniforme azul todo puído, interpôs-se à minha frente informando que "ele não pode entrar", se referindo ao preto velho, acrescentando "é mindingo!". Informei-lhe que se tratava de um amigo meu, e que ele ia fazer um lanche junto comigo, "mas ele não tem com que pagar...", disse o moço colando seu corpo ao meu de modo a impedir mesmo que eu entrasse no estabelecimento acompanhado daquele velho negro solicitando apenas o que comer. Empurrei-o com energia e disse-lhe que se repetisse aquelas palavras e se tocasse em mim ou no velho, sairia dali preso. Imediatamente, apareceu um senhor branco, forte, atlético e se apresentando como proprietário da casa, dizendo-me que "aqui quem manda sou eu! Ele não entra e você pode se retirar junto com ele pro seu bem!" E pôs as duas mãos na cintura pra realçar o tórax, fitando-me intimidadoramente. "Pois não. Vejamos!", disse-lhe e peguei o celular, liguei para a polícia e chamei um jornal, enquanto mandava o meu amigo se sentar a uma mesa desocupada. Ordenei-lhe que servisse o que ele pedisse e que chamasse o seu advogado para acompanhar-lhe à delegacia. A polícia e o jornal chegaram juntos, e mandei fotografar o"proprietário" e todo o estabelecimento, constatando que não havia nenhum funcionário negro. Fui entrevistado enquanto tomava uma cafezinho e a audiência em torno se movimentava, assistindo à polícia algemar o dito cujo. Paguei a despesa e fui para a delegacia fazer o BO, ligando para as entidades de direitos humanos e movimento negro. Na delegacia, recolhemos os depoimentos de várias testemunhas, tudo devidamente repassado aos jornais que foram aparecendo, inclusive rádios de diversas potencialidades. Tudo concluído, o "proprietário" ficou trancafiado por prática de racismo, danos morais e tentativa de homicídio devido aos empurrões que trocamos. 

Ao sair, o Preto Velho acompanhou-me pedindo desculpas pelo transtorno que me causara, e ia se despedindo quando perguntei-lhe se não podíamos sentar e conversar um pouco. Ele ficou surpreso, olhou-me com os olhos arregalados e respondeu "com prazer!" e foi se dirigindo a uma pracinha cheia de bancos de concreto.  Lhe disse que iríamos sentar lá na lanchonete do valentão e iríamos lanchar melhor agora, com mais tranquilidade, e um racista na cadeia aguardando processo. Fomos, entramos e nos sentamos, e o mesmo funcionário de uniforme azul puído nos atendendo, pedindo desculpas e se desdobrando em atenção. 

Depois de servidos, lhe perguntei quem era aquele sujeito "Lima Barreto" que dava nome à rua; ele começou a contar a vida do Lima, falando da doença do seu pai, da mudança para a Ilha do Governador, depois para Todos os Santos, ali bem ali mais acima da esquina, mas o Preto Velho interrompeu-lhe mostrando o livro Bruzundangas, e dizendo "aqui está a história dele...!"

Olhando para os dois ao mesmo tempo, aproveitei para inquirir ao garçon por que agira daquela forma "racista" com o nosso amigo,  e ouvi-o explicar envergonhado, que "cumpria ordens, o senhor sabe comé qui é..." e informou que às vezes embrulhava comida e dava para o "Lima Barreto" apontando para o meu amigo Preto Velho, que confirmou, reafirmando inclusive que seu nome na rua era Lima Barreto.