quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Concepção Brechteana do Homem * Antonio Cabral Filho - RJ

Concepção Brechteana do Homem



Para Bertolt Brecht, o homem precisa ser um ativista em tempo integral. Precisa defender seus direitos 24 horas por dia, para somente assim ter alguma garantia de que sua dignidade humana possui alguma segurança. Isso pode ser constatado em diversos poemas seus e em muitas peças teatrais onde o foco do Autor é pensar a condição humana; vide a peça Mãe Coragem, na qual uma mãe se faz passar por camelô só para acompanhar as atividades políticas revolucionárias do seu filho no movimento sindical.
Seus poemas são verdadeiros panfletos líricos, onde as denúncias da opressão são tratadas de modo a tocar a sensibilidade do leitor e levá-lo a se localizar no universo social circundante e não viver como maria-vai-com-as-outras. Poemas como “Perguntas De Um Operário Que Lê -

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas”

Ou “Intertexto -

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.”
Ou “
O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”

São textos que marcam qualquer um e fazem com que o sujeito se posicione perante o mundo e lute contra toda forma de opressão.

Neste momento em que os trabalhadores, em particular e os oprimidos de um modo geral, perdem Dom Paulo Evaristo Arns, sou levado de volta aos poemas de Bertolt Brecht, às cartilhas de formação cristã das CEBs, da Pastoral Operária, da Comissão Pastoral da Terra e constato que ambos, Bertolt Brecht e Dom Paulo, são faces de uma mesma moeda: os homens imprescindíveis, segundo este trecho de mais um poema: “Há homens que lutam um dia
E são bons,
Há homens que lutam um ano
E são melhores,
Há os que lutam muitos anos
E são muito bons,
Mas há os que lutam toda a vida
E estes são imprescindíveis!”

Bertolt Brecht lutou contra o nazismo, lutou contra o “macartismo” e lutou contra o stalinismo, apesar de todos que o acusam de conivir com este sistema. Mas um trecho de poema seu atesta o contrário, quando interrogado sobre o que fazer com o povo que combate o “fascismo vermelho da cortina de ferro” na RDA, sugere “experimentem trocar o povo”. Poucos ou muito poucos percebem a acidez de sua ironia no marasmo daquele universo político de ditadura de partido único em que viviam. E Bertolt Brecht vai morrer exatamente no momento em que todo o império soviético começa a desmoronar no “Relatório Kruchev”, em 1956.
Embora Bertolt Brecht seja um intelectual da cultura e Dom Paulo um intelectual do catolicismo, ambos são irmãos siameses dos oprimidos: morreram combatendo ditaduras. Suas posições contra a ditadura TEMERosa são públicas e transparentes, sem contemporizações nem  meias verdades. E Dom Paulo deixou sua marca de atuação religiosa junto às CEBs, na Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, na Pastoral de Moradia, na Pastoral Operária, no Movimento Tortura Nunca Mais, e, junto com Dom Pedro Casaldaliga, Frei Leonardo Boff e Frei Beto, constituem o “Estado Maior da Teologia da Libertação” na América Latina, considerados e solicitados por todos os movimentos sociais, leigos e religiosos, para conferências, palestras e estudos sobre os meios de combater a opressão capitalista. Além disso, deixou-nos 49 livros onde buscarmos ensinamentos. Salve Dom Paulo! Descanse em paz!!
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