domingo, 10 de maio de 2015

FUMACÊ DA SUCAM * Antonio Cabral Filho - RJ


FUMACÊ DA SUCAM

*

FUMACÊ DA SUCAM MATA 

FLAMENGUISTA DE RAIVA! Foi a 

manchete dos jornais no dia seguinte, 

falando da morte de Seu Zico.

Seu Zico, ou melhor, Agripino José da Silva, teve seu nome real conhecido só depois de morto, segundo alguns porque era “cassado pela ditadura”.

Ele morava ali na Rua Moncorvo Filho, próximo ao CACO, quase em frente ao Campo de Santana.

Para quem não sabe, CACO é a sigla do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, a maior fortaleza de luta pela democracia no Brasil, inúmeras vezes invadido pelos gorilas da ditadura, forjada pelos estudantes de direito da UFRJ, segundo Seu Zico.

Quando a SUCAM aparecia no trecho, vindo lá da Frei Caneca ou do Souza Aguiar, Seu Zico ficava louco, e corria pra guardar os passarinhos, punha-os lá no alto do seu casarão, no sótão, quase defronte ao prédio da UFRJ. Aí ele saía pra rua e ficava “escoltando os mata-mosquitos”, como ficou conhecido o pessoal que trabalha na SUCAM, na função de guarda de endemia. Enquanto não fossem embora, e sumissem lá pras bandas da Cruz Vermelha, Seu Zico não sossegava. Depois, só depois, ele respirava aliviado e ia ver os “preju”, se perdera ou não algum pássaro do seu plantel. Aí, uma vez feito o “balanço”, ia para o bar do Zezé, tomar limão e xingar um pouco, para descontrair, pois na última visita da SUCAM, ele perdera um canário da terra, peça nobre no patrimônio de qualquer passarinheiro. Desta vez, segundo ele, perdeu um pássaro de “responsa”, um baita preju... Foi-se o sei tié!

E toma limão! Era um atrás do outro. Sempre punha sal na batida, diz que pra tirar o veneno. Nessas ocasiões, Seu Zico não dispensava as companhias de Dicró, Moreira da Silva, Bezerra da Silva, mais alguns bregas, desses que tocam naquelas máquinas de ficha.

Como o bar ficava muito cheio, Seu Zico pegava a batida e se sentava no batente da casa ao lado, e bebia, bebia, bebia até morgar, depois de xingar por horas a fio, triste pela perda do seu passarinho. A perca do tiê, bicho de estimação, cantador, manhoso,  deixou Seu Zico tão triste que ele apagou na calçada mesmo. Ficou lá, estiradão, como se ressonasse em sono profundo.

Nessas ocasiões aparecia a Dona Tereza. Tinha que ser Tereza! Procurava “cadê o Zico?”, toda tonta, meio que preocupada meio que envergonhada com um marido tão trapalhão.

Ninguém se preocupava com os escândalos dele, que pra fazer jus ao apelido, era “framenguista increnquero, porra!”
E ostentava seu corpão de pedreiro véio batedor de “vinte e cinco libras”, que só embolsava parede por metro quadrado com dois ajudantes pra servir-lhe massa bem traçada.

Mas todo dia é dia da caça e nem sempre do caçador... Numa dessas visitas da SUCAM, Seu Zico perdeu seu Assum Preto, vindo lá da terrinha, trago com todo carinho, e personalidade ímpar do seu plantel de pássaros . Nesse dia, ele bebeu demais, bebeu até cair e, como ninguém ligasse com seus aprontos, também ninguém ligou a mínima com ele deitado na calçada, como que adormecido. Quando Dona Tereza chegou e balançou-o para acordá-lo, era tarde. Ela começou chorar aos soluços, entrecortados pelo susto, pedindo-lhe para parar de brincadeira, mas antes fosse. Apareceu alguém que se dispôs a massagear seu tórax, na tentativa de talvez reanimá-lo, mas que nada! Seu Zico tinha apagado!!

Entre choro, resmungos e interjeições, “salta mais um limão!”, gritou alguém, enquanto na vitrola-máquina rolava a música do Dicró, “ desce mais um limão...”
No corre-corre pra recolher o corpo, nem Dona Tereza se preocupou em pegar o seu chapéu, que o cronista expõe com muito orgulho...
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