domingo, 27 de novembro de 2016

Festas Literárias SA - Crônica * Antonio Cabral Filho - RJ

Festas Literárias SA


Sempre gostei de "Feira de Livro". Desde moleque. Não perdia nenhuma e às vezes fazia delas o meu programa de fim de tarde ou de semana mesmo. Como dizíamos nos anos 80, o galã perfeito é aquele que tem uma programação para envolver a dama até ter certeza de que ela quer mesmo ir para a cama e as feiras de livros ajudaram-me a "matar muito gado..."

Após a adolescência, fui trabalhar em livraria e sempre que as empresas precisavam de alguém para tomar conta de suas barracas na feira, eu me apresentava. Trabalhei em quase todas as melhores livrarias do Rio de Janeiro, menos a Da Vinci, infelizmente. Depois de adquirir uma boa experiência, montei a minha, lá em Niterói, primeiro dentro da UFF, depois na rua, ao lado da entrada principal da universidade, na Avenida Visconde de Rio Branco, 641. Durante os meus dezesseis anos como livreiro, organizei muitas feiras pelo leste fluminense afora, indo às vezes até Volta Redonda, sempre contando com a participação dos livreiros amigos, tanto de Niterói como dos municípios aonde realizaria a feira. Era só fazer um ofício dirigido à secretaria de educação e cultura da cidade solicitando autorização para o evento, pagar a taxa de ocupação do espaço e vender as vagas aos interessados. Cada um montaria sua barraca, que era alugada com um fornecedor de estruturas para feiras. Ele trazia as barracas, e dependendo do contrato, ele mesmo montava e desmontava. Nós só tínhamos o trabalho de expor a mercadoria, abrir e fechar, mais nada. A segurança era por nossa conta, a manutenção também; então nós nos revezávamos ou pagávamos terceiros para limpar e tomar conta à noite. 

Durante todos esses anos, nunca tivemos a participação de "patrocinadores" nem qualquer tipo de financiamento. Nenhuma das editoras que integravam essas feiras contribuía mais do que o mesmo que cada livraria ou sebo, pois nosso tratamento era igual, embora compatível com o espaço adquirido. As responsabilidades eram as mesmas para todos e cada um arcava com o compromisso assumido; sem mais nem menos. E, talvez por isso, a minha saída do ramo fez acabar com esse empreendimento.

Logo assim que parei, comecei a observar o surgimento do setor de atividade "produção de eventos", ano 2000 mais ou menos. A Feira da Providência foi o primeiro que visitei para ver a estrutura e o modo de organização. Pude concluir que o foco ali não era a "providência...", mas sim o resultado. O evento tinha que dar o "lucro certo" apenas para o "organizador", e este se lixando para os expositores. Constatei o desespero de algumas livrarias - sebo nem pensar - inclusive de médio e grande porte, suando frio para conseguir vender alguma coisa, graças, inclusive ao enxame de similares - várias livrarias do ramo livros espíritas, do ramo humanidades, do ramo infanto-juvenil etc. Esses detalhes devem ser levados em conta na organização do evento...

Fazia muito tempo, eu já andava de olho na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, surgida em 1983, sempre observando o modo de organização, a cobertura da imprensa, a presença de nomes relevantes para a literatura e para a cultura não só nacionais. Sempre me chamou a atenção a importância dada às livrarias, nem sempre valorizadas, graças ao espírito competitivo estabelecido como uma especie de "regra pétrea" na concepção do evento. Constato, sem nenhuma satisfação, que o objetivo não é vender o livro, mas sim, tomar dinheiro de quem vai lá... sejam expositores sejam consumidores.

Inicialmente, achei que fosse "pinima" de minha parte, e fui estudar outros exemplos Brasil a fora. Percebi que os piratas/salteadores/batedores de carteiras do Rio eram pivetes brincando de malandros. Quando descobri o valor do metro quadrado na Bienal de São Paulo, tive um calafrio. No resto do pais, não é diferente e, pra piorar o panorama, surgiram as "FLI": Festas Literárias Internacionais, que de festa não tem nada e de internacional muito menos. É só venda de espaço, exploração de marcas, marketing editorial, estrelismos em troca do cachê e conversa fiada como conteúdo intelectual. 

A primeira FLI de que tenho conhecimento em chão nacional é a Festa Literária Internacional de Parati - FLIP, criada em 2003, idealizada por uma agente literária chamada Liz Calder, da Bloomsbury, que morou no Brasil, e foi inspirada no festival Hay on wye do Reino Unido. Daí em diante, um complexo de patrocinadores e investidores tomou conta sob a bandeira "ongsta" sem fins lucrativos Associação Casa Azul, compartilhado com o Festival Internacional de Autores do Canadá e com o Festivaleletteratura Mantova italiano, para dar um toque internacionaleiro ao evento; mais nada... Depois, nós já sabemos: faça um levantamento da quantidade de "Festas Literárias Internacionais - FLI" existentes hoje no Brasil.

Aqui no Rio não poderia ser diferente. Afinal, com o grassamento do neoliberalismo pelo aparelho de estado a dentro, melhor seria mudar seus nomes e ao invés do "Literária Internacional" que tal "Liberal Internacional"? Pelo menos fica tudo às claras, já que é pra sugar os cofres públicos, usar e abusar das ditas "Leis de Incentivo" à cultura, lavar dinheiro sujo, sustentar parasitas tipo Rede Globo, atravessar dinheiro para apaniguados de toda espécie, usando um disfarce tão bonito, o livro. Outro ingrediente desse angu são os escritores e/ou artistas envolvidos. Ninguém tem direito de dizer-se alheio-não informado ou algo que o valha quando se trata de verbas públicas. Nenhum artista, de setor nenhum, pode alegar irresponsabilidade quanto à origem dos seus cachês. Se advem da iniciativa privada ou dos cofres públicos, quiçá do "crime organizado", ele sabe muito bem... Por isso é que sempre vem à tona as divergências quanto a esses aspectos do financiamento das feiras expressos por Paulo Lins ou Luiz Ruffato numa dessas edições anteriores da Feira de Frankfurt. Daí, não podemos aceitar "artista vaquinha de presépio" que fica vagando pelos eventos fazendo gracinhas quando são questionados sobre tal ou qual resposta deram a uma pergunta oriunda do público. É bom ficarem atentos... os tempos estão mudando... sobretudo em tempos de "ditabundura..."

Em relação a isso, o Rio de Janeiro virou uma só feira de "FLIs": tem a da FNLIJ - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvemil em junho, a Primavera Literária em outubro e, agora, o Boulevard Literario, para dar um toque "culturar" ao deserto do cais do Porto e colocar dinheiro no bolso dos promotores, mais nada... senão, consultem a mídia impressa do evento e vejam a quantidade de patrocinadores, destaquem os órgãos públicos e digam-me se estou de pinima...