domingo, 21 de janeiro de 2018

Cururu Ninja - Conto * Antonio Cabral Filho - RJ

CURURU NINJA


Após a sesta, como de costume, fui preparar um lanche. E com umas duas horas de cozimento, meu panelão de aipim estava pronto. Peguei uma gamela e um pote de manteiga e coloquei-os sobre a mesa de jantar. Quando ia tirar aipim para pôr numa bacia com o objetivo de resfriá-lo, ouvi uma pancadaria no meu portão, que é de ferro. Crendo tratar-se de uma emergência, fui atender correndo. Abri-o olhando para fora em busca de alguém, enquanto um vento gelado atingia meu lado direito, na altura das pernas. Não dei importância, preocupado em achar quem teria espancado meu portão, pois receberia o dobro em troco. Corri os olhos à direita e à esquerda, inutilmente, ninguém, rua vazia.

- Estou aqui! Ouvi uma voz rouca, vinda do fundo do corredor para a sala,  num português rascante, típico daqueles fugitivos da guerra de Angola, que chegavam ao Brasil, sem trouxa nem cadelinha, escrachando com a ditadura de Salazar. Sem entender nada, olhei, bem devagarzinho, e divisei a figura de um corpo parecido com o de uma tartaruga, daquele tipo do filme Tartarugas Ninjas, e perguntei como entrara sem eu lhe ver. Respondeu-me que não tinha tempo para delongas, que estava em missão e vinha trazer-me um comunicado, mas a sua dicção era tão truncada, tão rápida, que lembrava os japoneses da segunda guerra mundial, fugindo aos bombardeios.

- Antes de mais nada... Inútil tentar um entendimento. Ele falava sem parar. Queria confirmar se eu era produtor gráfico, designer de sites, conhecedor de muitas plataformas...

- Antes de mais nada... Insisti em comunicar-me com “aquilo”, mas o mesmo não parava de falar. Fui em sua direção e, sem convite nem qualquer formalidade, entrou em minha sala, sentou-se em minha poltrona de repouso, se espojou de toda forma e falando sem parar. Seus assuntos giravam em torno de programação visual, edição de textos, imagens, gestão de conteúdo etc.

- Cala a boca ou eu... Continuou falando e quis saber se eu não teria nada para ele fazer um lanchinho. Único momento em que pareceu ser sensível. E ao pensar em dirigir-me à cozinha, o troço partiu pra lá. Quando cheguei, já encontrei-o com as mãos lambuzadas de massa de aipim, que comia vorazmente. Em menos de três minutos, meu panelão de dez litros, cheio de aipim para fazer bolinhos, simplesmente desapareceu.
- Vou precisar de sua lista de contatos... Disse-me quase engasgado com aipim.
- O quê?! Nem morta santa! Respondi aos gritos e continuei gritando, perguntando-lhe se ele sabia que meu país estava sofrendo um golpe de Estado, de tipo sui generis, comandado pelo crime organizado a serviço das principais corporações econômicas mundiais, tendo à frente os USA, Donald Trump e CIA... mas, ao olhar ao redor, eu estava falando sozinho, e sai andando encabulado, rumo à porta da sala, que estava aberta. Olhei para o portão da rua, que estava fechado, e, pensei: eu estou maluco.

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