quinta-feira, 28 de julho de 2016

Olimpíadas etc - Crônica * Antonio Cabral Filho - RJ

Olimpíadas Etc
-lance nº 6795 10/7/2016
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Olimpiadas Etc

Mesa de bar é o melhor lugar do mundo, como bem diz Elis Regina:”O melhor lugar do mundo é aqui e agora”. Verdade. Dá pra se conversar de tudo e nada tem senso de responsabilidade. Por isso que é o melhor lugar do mundo!

A mesa cheia de garrafas, copos, pratos sujos, garfos fora dos pratos, farinha sobre a mesa, gordura de lingüiça encrostada nos pratos, e jornais, vários, vários jornais, entre os quais o Lance, o único que sobrou, pois quem trouxe não levou de volta. Ficou ali, como quem não quer nada, assistindo à nossa balbúrdia de conversas fiadas sem pé nem cabeça de tanto beber, até que um Pé-de-cana já chapado gritou “olha aqui, oh, corrupção no futebol!” e apontou para a página com o título “Omissão da CBF e as fraudes”. 
Ninguém deu a mínima e o converseiro continuou, mas o pé-inchado gritou de novo:”Denúncia da FIFA mostrou escândalo da manipulação de resultados. Se dependesse da CBF, estaríamos perdidos!” Ai, todo mundo riu, riu às gargalhadas, como se alguém tivesse contado alguma piada nova. Alguém foi conferir e disse o nome do jornalista: Luiz Gomes. Conhece? Perguntou alguém. Nunca vi mais gordo. Respondeu outro, devidamente anônimo. 
O cu de cachaça danou a ler a matéria, e em voz alta, o que perturbou a todos, quando, súbito, ele parou e perguntou: alguém sabe quanto vai custar as olimpíadas? Fez-se o maior silêncio. Todo mundo se coçando, mudos, embaraçados, sem respostas, mas alguém mais puto do que a maioria inquiriu o pau d’água: tinha que ser você, né! Colocar essa merda em discussão. Essa porra está raspando os cofres públicos, vai faltar dinheiro para servidores, para saúde, para educação, segurança e o caralho! Menos para a corrupção. As obras estão todas atrasadas, tudo está sendo feito às pressas, de qualquer maneira, com equipes virando 24 horas de trabalho cercadas de chefetes por todos os lados. Os caras não podem nem cagar porque aqueles minutos são descontados da jornada de trabalho. Vocês sabem disso? É o maior crime, a maior exploração. Onde já se viu não poder beber água, mijar, cagar, parar para esticar o corpo e aliviar aquelas dorezinhas ordinárias que aparecem quando a atividade é repetitiva? Gente, é um escândalo! Alguém andou de um lado para o outro, desconsolado, e virou-se perguntando: cadê o ministério do trabalho, a imprensa, tanto canal de televisão, pra quê? Tá tudo arregado, ouviu-se ao longe.
Todos voltaram aos seus lugares e o dono do bar ofereceu mais uma rodada. É! Desce a saideira. Pra dar uma enxaguada. Nas idéias também, observou outro. 
Menos de cinco minutos e as olimpíadas voltaram à mesa. Alguém asseverou que tudo seria entregue inacabado, postes pelo meio das ruas, restou de concreto pelos recantos, manilhões e tubos abandonados dos lados das pistas, apartamentos cheios de vazamentos, entupimentos, fiação elétrica exposta, equipamentos de gás defeituosos, portas sem fechadura ih, é demais! Mas as “otoridades caopetentes” botam o visu mais chic e vão dar entrevistas em seus próprios canais de comunicação pra dizer que ta tudo uma maravilha. Concluiu um, já secundado por outro dizendo”quem paga o pato é o povo, o povo e os atletas, pois um financia e o outro tem que apresentar resultados. É o único que não pode falhar pra não enfeiar a festa da propina. É isso que é a olimpíada, a festa da propina! Como eu não pensei?” fechou estupefato e virou o copo direto.
Mais umas cervejas e  alguém com alguma lucidez começou a ressaltar a chave desse rolo todo enumerando que o COI, o COB, o governo federal, o estadual e a prefeitura, junto com as empreiteiras, formam um imenso complexo criminoso cujo objetivo é roubar sob a bandeira das olimpíadas. E é pra isso que despeja propaganda enganosa na mídia, falando em milhões de torcedores assistindo aos jogos, pessoas de todos os lugares do mundo, hotéis abarrotados de turistas, emprego para quem quiser ganhar um extra, mulheres bonitas a dar com o pau, prostituição adulta e infantil, drogas orgânicas, líquidas ou sintéticas, carretas de camisinhas grátis pra todo mundo fuder livremente, e muita, muita, mas muita segurança. Segurança que nunca houve nem haverá, pra aparecer na mídia e só, porque prender ladrão que é bom, nada! Ora, o ladrão é que está comandando! Não se iludam. E observem. Mais nada. Façam como a coruja: fiquem lá no alto do seu toco! E concluiu, porque esse chumbo é grosso! Nunca será apurado, nem aqui nem em lugar nenhum do mundo, porque envolve máfias de todos os lados. Afinal, não somos nós que pagamos a conta?
Mas ao ouvir “conta”, o dono do bar perguntou de lá se ia mais uma saideira...

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domingo, 24 de julho de 2016

O Herói Na Filosofia Clássica * Antonio Cabral Filho - RJ

O Herói Na Filosofia Clássica /
Oficina Jornada Do Herói nº 1


O Herói Na Filosofia Clássica - Oficina Jornada do Herói nº 1

 A palestra é muito interessante, pois a palestrante tem o cuidado de segurar a sua abordagem no estrito limite da clarificação do papel do herói no contexto daquelas culturas de antanho. Seu grande feito é esse. Em momento nenhum ela se permite resvalar para os valores contemporâneos, trazendo os heróis  que aborda para uma acareação com os  valores atuais.

Nesse sentido, ela tem absoluto sucesso. Mas quanto à própria filosofia clássica, toda ela traçada sobre os mitos, assentada sobre uma plêiade de heróis, tudo preso aos feitos e suas interpretações dadas e acabadas, é que reside o problema. Do mesmo modo que essa filosofia clássica propõe a Vida, naquelas circunstâncias, em um mundo limitado a meia dúzia de quilômetros de Grécia ou Roma, ou à Índia dos Mahatmas ou a China dos Budas, quiçá uma África de deuses de pedra, não tem sentido nos propormos a fazer predileções, até porque trata-se de um mundo completamente ausente da Vida hodierna. Seus postulados são "idealizados" e não possuem vínculos com a Vida Real. Por isso, vivem no mudo d'antanho.

Essa filosofia clássica serve pouco ou nada além dos contos de fadas ilusionistas, algo distante inclusive de boa parte dos herois de história em quadrinhos  contemporâneos e leva os seus passageiros direto ao "mundo da lua", com verdadeiras adbuções. Temos verificado nas últimas décadas o surgimento de seitas calcadas em concepções tão abstratas que chegam a causar problemas governamentais. Uma delas, muito forte no Brasil, é o Santo Daime, que propõe uma purificação através da meditação seguida do consumo de chás altamente alucinógenos. Isso tem causado mortes e distúrbios mentais o suficiente para chamar a atenção das autoridades ligadas ao combate às drogas. Não faz muito tempo perdemos o cartunista Glauco Vilas Boas, vítima desse tipo de conflito.

Bom, feita esta preleção, gostaria de expor o modo como trabalho a questão dos mitos na minha produção literária. Tanto em poesia como em prosa, gosto de transformá-los em suporte de argumentos. Nunca como desfechos, mas apenas como coadjuvantes de segundo ou terceiro plano. Faço isso por acreditar no papel negativo que os heróis, os mitos e as ideias abstratas exercem sobre as pessoas, principalmente naquelas em que a personalidade se encontra ainda tenra. É o caso das crianças, dos jovens e das pessoas com nenhum ou pouquíssimo acesso aos meios de informação.

Não diria que escrevo para "formar" ninguém; nada desse papo de "fazer a cabeça", doutrinar, tão em voga nestes tempos "interinos" em que vivemos. Mas se eu puder fazer algo para que as pessoas vivam da pura realidade, sem fazer da fantasia uma alienação, não economizarei recursos. É nesse sentido que os meus personagens são operários, meninos de rua, corruptos, milicianos, criminosos, políticos, prostitutas, mulheres donas dos seus narizes, meninas abusadas, enfim, pessoas com os pés na realidade, contraditórias ou não.

O meu comentário não poderia ser feito de modo parcial, como precisa ser feito pelos estudantes em busca de nota. Ao contrário. Vou pra cima do tema e o trago para uma discussão elucidadora, de modo a contribuir para uma compreensão crítica, sem atrelá-la a nenhuma concepção filosófica nem ideológica.  A imparcialidade é nosso melhor caminho rumo à clareza sobre as coisas.

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