Era uma menina estudiosa, vinha sempre
à biblioteca pesquisar. Nunca desarrumava
a seção dos livros que usasse e sempre pedia
licença para consultar algo que fosse mais
reservado, além de nunca se despedir sem
antes agradecer pela atenção dispensada.
- Gente fina é outra coisa, pensava a bibliotecária.
Quando a menina saía, parece que ficava um
buraco, um oco, um váquo na biblioteca
tamanho era o vazio que sua ausência
causava. É que a presença dela ali sentada
caladinha folheando livros, fazendo
anotações em seu caderno, às vezes
escrevendo por longo tempo, elevava
a sensação da importância da biblioteca,
da sua dimensão incomensurável como
espaço de leitura, pesquisa, lazer e fator
cultural na vida das pessoas.
- A senhora pode me ajudar... Seus
pedidos vinham sempre precedidos
pelo gesto de humildade, fazendo com
que qualquer um se colocasse ao seu
dispor, pronto a colaborar para o seu sucesso.
Da última vez que veio à biblioteca, ela
estava fazendo um trabalho sobre contos
de fadas. Chegou devolvendo o Psicanálise
dos Contos de Fadas, do Bruno Bethelhime,
após ler vários do assunto, mas precisava de
um suporte prático, e, entre tira-e-põe livros
na seção, espalhou alguns sobre a mesa,
junto com seus cadernos, pastas e bolsa.
-Tem algum livro de contos de fadas?
Perguntou, enquanto recolhia os livros
para arrumá-los nos respectivos lugares.
Quando a bibliotecária respondeu que iria
procurar imediatamente algo que lhe
atendesse, rapidamente pôs dentro de
seu caderno o Alice no País das Maravilhas,
do Lewis Carrol, e jogou a bolsa por cima,
foi para a estante guardar os outros e gritou
"deixa pra lá, depois eu vejo isso", crente que
a bibliotecária não tinha notado nada, demorou
o suficiente para que a mesma voltasse à
sua mesa, se certificou de que os livros estavam
organizados corretamente e passou aos
agradecimentos de praxe, como sempre
fazia, expressando sua preciosa humildade,
pegou a bolsa, pôs o caderno com o livro
dentro de uma pasta e foi saindo.
- Boa leitura, você merece! Disse a
bibliotecária, sem dirigir-lhe o olhar.
Ela agradeceu e partiu se perguntando
" Será que ela percebeu?"
***