quinta-feira, 24 de março de 2016

No Escurinho Do Cine Vaz Lobo * Antonio Cabral Filho - Rj

No Escurinho Do Cine Vaz Lobo
Antonio Cabral Filho - RJ
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Sem nostalgia barata, mas falar de cinema sem citar Rita Lee é ignorar sua presença de tremendona psicodélica espargindo lirismo através do tempo, e quem quiser ouvir No Escurinho do Cinema, acesse...https://www.youtube.com/watch?v=fx5hbtk5-EM ; como não dá pra passar ao largo de outro ícone do cinefilismo brasileiro, Moacy Cirne, senhor de muitas peculiaridades, tais como professor de semiologia na UFF, pesquisador de história em quadrinhos, autor e co-autor de inúmeros livros sobre o assunto, poeta e vanguardeiro do poema - processo, cinéfilo incurável

 e acima de tudo, meu amigo.

Ele tinha um método todo próprio de promover os filmes de sua predileção, que consistia em dar aos amigos a tarefa de elaborar, cada um, a sua lista de até dez filmes preferidos. Depois ele escolhia os mais citados e publicava no Balaio InComum. Às vezes, ele fazia também um levantamento entre os segundos e terceiros lugares e lá se ia o Balaio InComum edições extras para as mãos da galera.

Certa vez, pediu-me ele, pela enésima vez, que fizesse mais uma lista e resolvi encalacrar o meio de campo dele, citando um filme desconhecido do grande público, um filme quase documentário, chamado Actas de Marúsia, que aborda a superexploração do trabalho nas minas do Chile durante a virada do Século XX, suas dificuldades para negociar com os patrões, suas fraquezas organizacionais, paralisações, tumultos, sabotagens e greves, resultando nos costumeiros massacres de operários do nosso continente. Quando lhe passei a lista, na Cantina do DCE-Uff, ele se pôs a lê-la e, subitamente, arregalou seus grandes olhos para mim, querendo saber como eu conhecia aquele filme, uma vez que ele era proibido no Brasil. Ah! Aí é que tá, disse-lhe e continuei lembrando-o dos áureos tempos do Cine Ricamar, no Lido, quando recebíamos umas filipetas nos locais de trabalho que eram panfletadas em Copacabana por uns rapazes e moças hipies anunciando filmes proibidos lá nos confins da madrugada.

Foi um tempo nada fácil. Geralmente guardávamos as filipetas com todo cuidado, por tratar-se de “filmes proibidos” e, às vezes, pedíamos aos panfleteiros mais algumas e convidávamos os amigos, colegas de trabalho, namoradas etc e formávamos turmas para ao cinema burlando a censura da ditadura militar. Assim é que nos informávamos sobre os outros países, do continente ou não e fazíamos contato com os movimentos sociais pelo mundo a fora, pois era rara a ocasião em que não pintasse uma publicação clandestina.

Bom, fiz essa viagem para lhes convidar a conhecer um pouco da história de uma sala de cinema de bela memória na periferia do Rio de Janeiro, o Cine Vaz Lobo, em Vaz Lobo, bairro suburbano da cidade maravilhosa, fundado em 1941 pelo imigrante português Antonio Mendes
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Cine Vaz Lobo no Youtube
https://www.youtube.com/watch?v=GYEz9QxdVas 
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O bairro de Vaz Lobo fica na zona norte, entre o morro do Sapê e a Serrinha. Em meados do século XIX era uma extensa área rural com grandes chácaras de produção agrícola. No início do século XX a região evoluiu para importante polo comercial e social, e o Largo de Vaz Lobo desponto como seu centro aglutinador, sobretudo quando tornou-se o entroncamento dos bondes elétricos, que em 1928 passaram a ligar Madureira a Irajá, e em 1937 à Penha, fazendo surgir escolas e outros equipamentos sociais. Cabe ressaltar que entre 1906 e 1920 o crescimento populacional atingiu a marca de 263% e no final da década de 30 o Largo de Vaz Lobo tornava-se o eixo de toda a região. É nesse cenário que surge o Cine Vaz Lobo. Em 1939 o imigrante português Antonio Mendes Monteiro adquiriu uma área triangular junto ao Largo de Vaz Lobo situada entre a atual Avenida Vicente de Carvalho e Rua Oliveira Figueiredo, onde construiu uma sala de projeção em estilo Art Déco tardio com capacidade para 1800 lugares, conhecida por sua disposição arquitetônica com o maior espaço construí do sem colunas pelo meio do salão. Isso veio a ressaltar e valorizar o local, que teve inauguração de gala, 
em 05 de janeiro de 1941 com a presença da ilustre primeira dama da República Dona Darcy Vargas. A partir daí, o Cine Vaz Lobo liderou com folga até à década de 60 as atenções da elite política e cultural dada a relevância de sua programação, sediando grandes eventos.

Mas com a decadência das salas de projeção localizadas na rua a partir da década de 70, sua resistência esgotou-se em 1986, quando teve suas portas encerradas. Sua preservação se deu graças ao espírito aguerrido do patriarca Mendes Monteiro, que no entanto veio a falecer em 2009 instaurando as indefinições quanto ao imóvel. Além disso, o rolo compressor do Projeto Transcarioca do Prefeito Eduardo Paes tinha na mira o Cine Vaz Lobo, que seria demolido para dar lugar a uma praça. Felizmente, salvou-o a mobilização popular, envolvendo comunidade, pesquisadores, a rádio Bicuda FM, o IHGBI, - Instituto Histórico e Geográfico do Bairro de Irajá, o Movimento Cine Vaz Lobo, estudantes e professores, que através de forte atuação conseguiram convencer as autoridades da importância histórica e cultural do imóvel, levando ao seu tombamento e ao compromisso de transformá-lo em centro cultural dedicado às artes cênicas e ao audiovisual. Em 2014 o Prefeito Eduardo Paes promulgou o seu tombamento, junto com mais uma relação de outros cines, porém sem efeitos reais até agora. Não surpreende esse comportamento advindo do prefeito, que tem altos envolvimentos com a indústria imobiliária, protelando o atendimento aos interesses da comunidade, que vem denunciando articulações de empresas do setor de alimentos, pleiteando o imóvel para instalar supermercado.

No entanto, hoje, 24 de março de 2016, fui surpreendido por minha filha, que passou em frente ao prédio e viu escrito lá no alto Cine Vaz Lobo e, ao chegar em casa, empreendeu várias buscas para descobrir algo sobe o mesmo, e quando comecei a lhe falar sobre ele, ela se irritou, chamando-me de biblioteca ambulante, poço de cultura e outros "elogios" menos consideráveis. Espero que aqueles "poços de cultura" que lerem esta crônica sitam-se informados o suficiente para acompanharem a situação das salas de cinema de rua e sua revitalização. Encerro dedicando este esforço à minha filha, Ana Maria Brito Cabral, por descobrir o Cine Vaz Lobo e se surpreender com o estado de abandono em que se encontra o prédio.
Logo do Movimento Cine Vaz Lobo
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Equipes do Movimento 
Cine Vaz Lobo
&
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Fontes:
1 - http://www.resenha-digital-ihgbi.blogspot.com.br/ 
2 - http://vozerio.org.br/Vaz-Lobo-quer-reprise-do-seu 
3 - http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/fotos/movimento-cine-vaz-lobo-altera-o-tracado-da-transcarioca-20120630-10.html 
4 - http://oglobo.globo.com/rio/os-cinemas-que-fugiram-ao-roteiro-de-destruicao-10736785 
5 - http://www.soniarabello.com.br/vaz-lobo-cine-vaz-lobo-um-exemplo-de-resistencia/ 
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quarta-feira, 23 de março de 2016

Livro Vermelho de Lima Barreto * Antonio Cabral Filho - RJ

Livro Vermelho De Lima Barreto
Tenho certeza de que se Mao Tsé Tung tivesse esbarrado com o livro Migalhas de Lima Barreto, de Lima Barreto, não teria escrito o catatau de proclamas intitulado Livro Vermelho de Mao Tsé Tung. E, tanto um quanto o outro sofrem do mesmo mal: a parteira. Ambos são fruto do esforço percuciente de estudiosos, que deram-lhes forma e vida para virem a lume. O primeiro literatos e o segundo, intelectuais de partido.

Mentira?  Quê isso! Leia: "A ciência não faz milagres." Não é uma tese? Pode discordar. Uma tese é feita para isso mesmo: propor, sugerir, instigar discussão, gerar a busca de solução, dirimir nossas dúvidas. Caso contrário, seria uma obviedade, coisa com que não vale a pena empenhar energias.

Quem foi mesmo que elaborou as Teses Sobre Feuerbach? Ah! Foi Karl Marx. Pois é. Lima Barreto foi melhor: fez filosofia sem compromisso com ela, abusando do blague e da ironia. Mais uma: "Como é fácil na vida tudo ruir." Podemos questionar até... à exaustão, mas nada é pior que a quebra do estado de conforto ou a inexistência dele, nada mais revolucionário do que quando este momentum nos obriga a buscar novos parâmetros de felicidade. Outra:"Quem tem inimigos deve ter também bons amigos..."
Não é verdade? Afinal, quem não tem inimigos, está cercado de Judas.

Bom, não vou alongar-me filotroçando do riso amarelo de ninguém, mas o Lima Barreto tinha todas as razões para ser alguém de poucos amigos... 

Deleite-se:"A realidade é mais fantástica do que imaginamos". E não vamos perder a chance de conhecer seu método de elaboração textual, tão explícito que causa calafrios. Verdade. Quantos ensaios, quantos seminários, quantas teses levantadas sobre a produção textual do Lima estão rolando agora nas universidades, quantos livros de exegetas ilustres abordando exatamente isso estão agora nas prateleiras das livrarias ninguém faz ideia. E o livro Migalhas de Lima Barreto demonstra isso, com toda simplicidade da água cristalina. 

O livro Migalhas de Lima Barreto é resultado do trabalho intelectual de um grupo de literatos liderados por Miguel Matos, que pesquisou e reuniu observações e comentários que o peralta "Isaias Caminha" fazia em seu álbum de recortes de notícias extraídas de jornais e revistas ou em páginas de livros, prenhes de humor e filosofia.  "Atento ao processo de reorganização do campo intelectual, na disputa do literário com outras formas de discurso e poder, Lima Barreto produziu o primeiro romance brasileiro ( Recordações do Escrivão Isaias Caminha) a tratar das relações entre imprensa e literatura, literatura e mercado. O escritor carioca também tratou, como poucos, do saber como espetáculo, num país de muitos analfabetos..." são observações da Profª Carmem Lúcia Negreiros de Figueiredo, na Apresentação. Vamos encerrar com uma pérola: "Os pássaros acendem fogo para nos ensinar o caminho".

Migalhas de Lima Barreto
Organização: Miguel Matos
Editora Migalhas
www.livrariamigalhas.com.br 
migalhas@migalhas.com.br
São Paulo - Sp 2014
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