O Privatista Feliz
Ele é brizolista. Do tipo Deus no céu Brizola na
terra. E acusa Lula de querer tomar o lugar do seu ídolo. Mas diz que este não
tem garra. E que líder tem que ser macho, destemido, capaz de pegar em armas
pra defender seu povo. E cita a experiência “de pirro” do restolho de populismo
com a formação de núcleos guerrilheiros chamados “Grupos dos Onze” – em que
cada unidade compunha-se de 11 sujeitos. Inútil retrucar expondo a fragilidade
dessa concepção espontaneista do seu proto-caudilho, que foi tentar fazer da
Serra do Caparaó a Sierra Maestra cubana, sem nenhum Fidel e sequer um
Chê. Inútil tentar dizer-lhe que Brizola
roubou Fidel e rachou 1 milhão de dólares com seus comparsas tornando todo mundo
rico de ontem para hoje, com fazendas em vários lugares estratégicos do Brasil,
mantendo acesa a estória de que seriam transformadas em bases da guerrilha e
financiando as Ligas Camponesas com Julião à frente para dar um status de algo
consistente.
Para se conversar com esse “privatista feliz” é
preciso ter saco de papai-noel, escutar cada abobrinha de doer as canelas. Por
exemplo, dizer-lhe que os grupos do Brizola estavam devidamente infiltrados de
“arapongas” tanto nacionais como estrangeiros soa quase como uma ofensa,
lembrar-lhe que um oficial gaucho teve uma diarréia minutos antes de dirigir-se
a um compromisso conspiratório é um tapa na cara, ou que o chefe da guerrilha
de Caparaó era o único a estar armado no acampamento quando chegaram as tropas
inimigas e renderam-no não lhe inspira nenhuma armadilha. E pra encerrar esse viés do meu interlocutor,
recordar-lhe que Fidel batizou Brizola de El Raton, isolando-o politicamente da
ótica soviética é um ato de desprezo.
Daí, passamos para o assunto das privatizações, no
período Brizola governador do Rio de Janeiro e a seguir. Lembro-lhe que o seu
líder “encampou” várias empresas privadas à beira da falência com a desculpa de
que iria proteger os interesses dos trabalhadores – Ciferal, no setor
metalúrgico e várias do setor de transporte. Refresco-lhe a memória com as
indenizações milionárias que os seus donos conseguiram na justiça após a
chegada do Moreira, que jogou empresas públicas na via pública das
privatizações graças aos escândalos da “era brizolista”. Ele chega a soluçar de
raiva do que lhe digo. Mas engole a seco... não consigo dele uma só palavra de
concepção crítica das gestões do seu piolho de füher. Mas subitamente desanda a
falar e sai defendendo Moreira, Collor, FHC e até elogia Lula, primeiro
defendendo as privatizações e depois a abertura lulista às prestadoras de
serviço no setor público, inclusive Petrobrás.
Mas quando lhe pergunto algo sobre CEDAE, empresa em que foi dirigente,
noto uma série de soluços. E, subitamente, a defesa intempestiva da
privatização pura e simples como uma espécie de panacéia para os males da
corrupção nas empresas públicas brasileiras. Segundo ele, foi melhor assim.
Afinal, ninguém agüentaria uma auditoria, uma abertura de processo realmente
conseqüente, uma vez que todo mundo tinha rabo preso, em todos os níveis. Até
no funcionalismo, que por ter entrado pelas janelas, não reivindicava nada, não
se organizava, não adquiria consciência de sua importância como mão de obra
qualificada, nada... sindicato idem. “Vê aí a NOVACEDAE?” É dinheiro público, à
disposição do setor privado. O povo só leva fumo! Mas nem reclama. Está sendo
duplamente roubado: quando a empresa foi constituída e depois na cobrança do
serviço com o qual não empatou um centavo.
Mas foi melhor assim... ressalta
nosso privatista feliz. Em seguida, explica que estatal nenhuma, nunca serviu
ao país, ao povo, aos trabalhadores e sempre funcionaram apenas como torneira
de desvio dos recursos públicos, sempre roubaram descaradamente, sempre
prestaram o pior serviço, sempre foram trampolim para as prestadoras de serviço
se criarem e arrebanharem dinheiro e espaço no mercado da sua atividade. “Ta
vendo a Petrobrás?” Pode montar quantas Lavajatos quiserem. Nenhuma vai chegar,
sequer, próximo da realidade, da dimensão mafiosa montada pelas prestadoras
junto com os dirigentes e os políticos. “Nenhuma!...”
Não foi melhor assim?... Finaliza meu privatista
feliz.
Mas, privatismos à parte, ele representa um espectro
do povo brasileiro hoje, dado o inconformismo com os rumos do país, com tamanha
corrupção, com o abandono do patrimônio público à sanha do setor privado, com a
decadência política não só dos partidos mas inclusive dos sindicatos, das
entidades da sociedade civil, das diversas denominações religiosas, das pessoas
em si, enfim... isso explica a nossa apatia.
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