segunda-feira, 17 de junho de 2019

O Ano de 1985 * Antonio Cabral Filho - RJ

O Ano de 1985
O ano de 1985 eu comecei desempregado. Aí meu sogro, "Seu Manoel", tinha comprado um terreno no Bairro de Santa Izabel, município de São Gonçalo, onde eu morava no Bairro de Lagoinha. Solicitou que me mudasse para lá, pra tomar conta do terreno e ir ajudando beneficiar a propriedade. 

Veja que esse momento aí revela que estávamos trabalhando. Note que o facão está cravado no toco da cerca e ele está com um pé-de-cabra na mão esquerda. Ou seja, estávamos arrumando a cerca. Esse menino à nossa frente é meu filho Edson Luis, aos dois anos, brincando como um passarinho.

Nesse ano eu fui visitar a minha família e levei esposa e filhos para se conhecerem. Viajamos no inicio do ano. Chegando lá em Bom Jesus do Prata, distrito do município mineiro de Frei Inocêncio, as crianças não se deram com a secura e o calor e minha filha Ana Maria contraiu bronquite, o que nos fez sair às pressas para o Rio de Janeiro. E, imaginem, para curá-la com remédio natural receitado por um médico do Posto de Saúde de Santa Izabel, o Doutor Ari: mastruz com leite. Mas durante os dias que passamos com meus familiares, a alegria foi grande, harmonia total entre minha mãe e minha esposa Rose. Quem não perde a lembrança é meu filho Edson, que ficou desesperado ao montar num cavalo.

Mas, uma vez em casa, foi cuidar da vida. Tinha em mente criar uma livraria e o fiz. Chamou-se "Espaço Livre" e durou até 1992, quando Collor sobretaxou as importações e o dólar disparou, tornando o mercado livreiro inadimplente, pois o livro é commodite. Fechei-a e voltei a trabalhar de empregado. Durante esse período, comprei a parte do meu sogro num terreno de sociedade com sua filha Rosângela e levantei minha casa. 

Interessante é que a gente começa a construir uma casa e, praticamente, nunca termina, porque vive inventando coisas, detalhes, melhorando aqui e ali. A casa do Seu Manoel, hoje, parece uma mansão e a que iniciei, vendi em 2003 para mudar-me para Jacarepaguá. E o novo proprietário não pára de melhorar...

Mas o que me fez traçar estas maus traçadas linhas foi a minha fisionomia aos 32 anos: desgraça! Pra quê bigode? Ah, me lembro: era para me envelhecer porque eu tinha cara de menino.

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domingo, 21 de janeiro de 2018

Cururu Ninja - Conto * Antonio Cabral Filho - RJ

CURURU NINJA


Após a sesta, como de costume, fui preparar um lanche. E com umas duas horas de cozimento, meu panelão de aipim estava pronto. Peguei uma gamela e um pote de manteiga e coloquei-os sobre a mesa de jantar. Quando ia tirar aipim para pôr numa bacia com o objetivo de resfriá-lo, ouvi uma pancadaria no meu portão, que é de ferro. Crendo tratar-se de uma emergência, fui atender correndo. Abri-o olhando para fora em busca de alguém, enquanto um vento gelado atingia meu lado direito, na altura das pernas. Não dei importância, preocupado em achar quem teria espancado meu portão, pois receberia o dobro em troco. Corri os olhos à direita e à esquerda, inutilmente, ninguém, rua vazia.

- Estou aqui! Ouvi uma voz rouca, vinda do fundo do corredor para a sala,  num português rascante, típico daqueles fugitivos da guerra de Angola, que chegavam ao Brasil, sem trouxa nem cadelinha, escrachando com a ditadura de Salazar. Sem entender nada, olhei, bem devagarzinho, e divisei a figura de um corpo parecido com o de uma tartaruga, daquele tipo do filme Tartarugas Ninjas, e perguntei como entrara sem eu lhe ver. Respondeu-me que não tinha tempo para delongas, que estava em missão e vinha trazer-me um comunicado, mas a sua dicção era tão truncada, tão rápida, que lembrava os japoneses da segunda guerra mundial, fugindo aos bombardeios.

- Antes de mais nada... Inútil tentar um entendimento. Ele falava sem parar. Queria confirmar se eu era produtor gráfico, designer de sites, conhecedor de muitas plataformas...

- Antes de mais nada... Insisti em comunicar-me com “aquilo”, mas o mesmo não parava de falar. Fui em sua direção e, sem convite nem qualquer formalidade, entrou em minha sala, sentou-se em minha poltrona de repouso, se espojou de toda forma e falando sem parar. Seus assuntos giravam em torno de programação visual, edição de textos, imagens, gestão de conteúdo etc.

- Cala a boca ou eu... Continuou falando e quis saber se eu não teria nada para ele fazer um lanchinho. Único momento em que pareceu ser sensível. E ao pensar em dirigir-me à cozinha, o troço partiu pra lá. Quando cheguei, já encontrei-o com as mãos lambuzadas de massa de aipim, que comia vorazmente. Em menos de três minutos, meu panelão de dez litros, cheio de aipim para fazer bolinhos, simplesmente desapareceu.
- Vou precisar de sua lista de contatos... Disse-me quase engasgado com aipim.
- O quê?! Nem morta santa! Respondi aos gritos e continuei gritando, perguntando-lhe se ele sabia que meu país estava sofrendo um golpe de Estado, de tipo sui generis, comandado pelo crime organizado a serviço das principais corporações econômicas mundiais, tendo à frente os USA, Donald Trump e CIA... mas, ao olhar ao redor, eu estava falando sozinho, e sai andando encabulado, rumo à porta da sala, que estava aberta. Olhei para o portão da rua, que estava fechado, e, pensei: eu estou maluco.

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domingo, 14 de janeiro de 2018

Estupradores e CIA - Crônica * Antonio Cabral Filho - RJ

Estupradores e CIA
-crônica-
-imagem: revista Rubem-
Antonio Cabral Filho - Rj

Estupradores e CIA

A história dos crimes passionais vem de longe e ao longo de toda sua trajetória sempre contou com a prevaricação do Estado, do mundo jurídico e dos formadores de opinião. Sem esse tripé, nenhum violador da individualidade alheia daria um só passo.

Este é meu entendimento da questão, do alto de meu quinto período de direito e também de comunicação social, mas não sofro a febre do ódio no trato de nenhum assunto. Dito isto, quero registrar algumas palavras sobre o falecido Carlos Heitor Cony.

Senhor K, como foi designado no submundo da espionagem política, sempre serviu ao sistema, trabalhou denodadamente pelo golpe de 1964, fazendo matérias no jornal Correio da Manhã devidamente acusatórias contra João Goulart e cantando na banda de propaganda ideológica anti – brasileira da dita “ameaça comunista”. Circulava rebolantemente nos corredores dos grandes jornais como agitadorzinho serviçal, tomando café, água ou drinks com personas high society ou em coquetéis.
Logo após o golpe comandado pelos milicos, fez um movimento para a platéia tipo mea culpa e passou a escrever contra a ditadura que apoiou. Alegou ter se equivocado. Por isso, foi detido seis vezes pela repressão, mas não se tem notícia, pelo menos até agora, de que conheceu o pau-de-arara, os choques nos testículos, o afogamento nem foi jogado em alto mar pelo PARASAR. Aliás, saiu-se muito bem, fazendo “oposição”, acusando a torto e à direita gente, que como ele, fez-se de equivocada, e ganharam ótimas somas como indenização por “perseguição política” após a anistia.

Daí, entramos no túnel da democratização, mas o Mister K continuou sua trajetória, contraditória, fazendo-se de democrata, aliado a Alberto Dines, Antonio Callado, Rubem Fonseca, Barbosa Lima Sobrinho, igreja católica e cia, até que o movimento operário apareceu em cena e impôs-se contra a cortina de ferro do silêncio na imprensa, mesmo sendo chamado de “agente do comunismo internacional” por toda a “inteligentzia” pro-norteamericana. Daí, desponta Lula, e figurinhas como M. K não podem perder a chance de ocuparem seus lugares na cena: desde o primeiro momento, Carlos Heitor Cony foi um inimigo público dos movimentos sociais, dos sindicatos e dos partidos denominados de esquerda etc. Não apenas através de sua própria opinião, mas sobretudo através de sua prestação de serviço ao sistema – patronal – em suas colunas nos maiores jornais brasileiros.

Tenho certeza de que os “capitães de imprensa” já providenciaram a sua substituição, uma vez que seus serviçais são descartáveis, por outro tão bem servil.

Mas agora mais recentemente, a sua atuação contra Lula – PT e Cia, demonstrou o mesmo quilate do período Pré-64: escreveu e debateu exaustivamente em favor do golpe atual, mas não teve a mesma recompensa de antes. Chegou ao ponto de ser jogado às feras, num debate com Rovai... que o desmascarou frente a frente, diante das câmeras: "“Hoje ele manda Dilma e Lula se fu... na Folha. A velhice não lhe fez aprender nada. Continua o mesmo velho babão da elite e dos patrões que era na juventude”, (Fonte: https://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/222794/Rovai-detona-Cony-uma-vez-golpista-sempre-golpista.htm )

Bom, como se isso não bastasse, uma vez que se trata apenas de sua performance política, um outro viés chama atenção no M.K: creio que, se não todos, pelo menos a maioria, tem conhecimento do crime passional que vitimou Ângela Dinis, levado a cabo por seu gigolô Doca Street.  Vou poupar-me no uso de minhas palavras e deixá-los com a reportagem policial:

Documento 1 –

Nova batalha pela imprensa, semelhante à do Caso Idalina, ocupou os jornais do país – era a primeira vez que se contestava de maneira sistemática a prática do “crime de amor”. Enquanto o advogado Lins e Silva se irritava com a repercussão que, a seu ver, “transformava uma briga entre amantes em acontecimento nacional”, os jornalistas Paulo Francis e Tristão de Athayde (quem diria!...) indignavam-se com os protestos das feministas. Tentando ser racional, Carlos Heitor Cony não rilhava os dentes como seus colegas, mas procurava passar a ideia de que a verdadeira vítima seria Doca Street. Houve revisão do julgamento, e o menino de boa família passou alguns anos (poucos, na verdade) atrás das grades. “

”Fonte:
https://www.sescsp.org.br/online/artigo/5661_O+QUE+NAO+ESTA+NOS+AUTOS
&
Documento 2 –

Acostumado à subserviência conservadora, Lins e Silva, defensor de Doca, revelou seu espanto ante a extraordinária pressão popular que acompanhou o julgamento. O caso teve enorme repercussão não só no Brasil, mas também no exterior, havendo "publicidade nunca vista" sobre este caso, reclamou Lins e Silva (1991, p. 295). Grande controvérsia ocupou a imprensa (Blay, 2003) acirrando-se a polêmica contra os direitos humanos das mulheres. Os jornalistas Paulo Francis e Tristão de Ataíde mostraram-se indignados contra as feministas e suas manifestações públicas que, segundo eles, pré-condenaram o réu; Lins e Silva (1991, p. 295) irritou-se com a repercussão que transformou uma "briga entre amantes em acontecimento nacional". Referiu-se ao "incidente" como se a vítima estivesse viva. Os prestigiados jornalistas e o advogado consideraram ilegítima a pressão da opinião pública nestes crimes contra mulheres justificados pelo amor.
Dentre as matérias publicadas na época, artigo de Carlos Heitor Cony na revista Fatos e Fotos – Gente, assim descrevia o crime:
eu vi o corpo da moça estendido no mármore da delegacia de Cabo Frio. Parecia ao mesmo tempo uma criança e boneca enorme quebrada... Mas desde o momento em que vi o seu cadáver tive imensa pena, não dela, boneca quebrada, mas de seu assassino, que aquele instante eu não sabia quem era (grifo meu).
O jornalista titubeia em sua opinião sobre o crime. De um lado, cita a Promotoria que acusava Street de libertinagem, cafetinagem, e conclui: "Mas outros cafetões, outros libertinos e safados não se tornaram assassinos". Por outro lado, em benefício do assassino, Cony entrevista o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que afirma "[...] o único crime respeitável, que não condenaria com rigor, era o passional... Crime passional qualquer um comete, até eu". Cony conclui: "A chamada privação de sentidos provocada pela paixão pode fazer do mais cordial dos homens um assassino".
Fonte:
&
Bom, espero que M.K ou Carlos Heitor Cony, um velho agente da espionagem capitalista, descanse em paz e que sua alma, caso tenha fé em Deus, receba os necessários dividendos.

Mas para refrescar os ânimos de quem quer que seja, informo que a imprensa não vive dos seus profissionais públicos e sim de uma multidão invisível que revisa, imprime, distribui e põe nas respectivas contas o soldo de todos os vendidos... É aí que eu entro.

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quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O Privatista Feliz - Crônica * Antonio Cabral Filho - RJ

O Privatista Feliz



Ele é brizolista. Do tipo Deus no céu Brizola na terra. E acusa Lula de querer tomar o lugar do seu ídolo. Mas diz que este não tem garra. E que líder tem que ser macho, destemido, capaz de pegar em armas pra defender seu povo. E cita a experiência “de pirro” do restolho de populismo com a formação de núcleos guerrilheiros chamados “Grupos dos Onze” – em que cada unidade compunha-se de 11 sujeitos. Inútil retrucar expondo a fragilidade dessa concepção espontaneista do seu proto-caudilho, que foi tentar fazer da Serra do Caparaó a Sierra Maestra cubana, sem nenhum Fidel e sequer um Chê.  Inútil tentar dizer-lhe que Brizola roubou Fidel e rachou 1 milhão de dólares com seus comparsas tornando todo mundo rico de ontem para hoje, com fazendas em vários lugares estratégicos do Brasil, mantendo acesa a estória de que seriam transformadas em bases da guerrilha e financiando as Ligas Camponesas com Julião à frente para dar um status de algo consistente.

Para se conversar com esse “privatista feliz” é preciso ter saco de papai-noel, escutar cada abobrinha de doer as canelas. Por exemplo, dizer-lhe que os grupos do Brizola estavam devidamente infiltrados de “arapongas” tanto nacionais como estrangeiros soa quase como uma ofensa, lembrar-lhe que um oficial gaucho teve uma diarréia minutos antes de dirigir-se a um compromisso conspiratório é um tapa na cara, ou que o chefe da guerrilha de Caparaó era o único a estar armado no acampamento quando chegaram as tropas inimigas e renderam-no não lhe inspira nenhuma armadilha.  E pra encerrar esse viés do meu interlocutor, recordar-lhe que Fidel batizou Brizola de El Raton, isolando-o politicamente da ótica soviética é um ato de desprezo.

Daí, passamos para o assunto das privatizações, no período Brizola governador do Rio de Janeiro e a seguir. Lembro-lhe que o seu líder “encampou” várias empresas privadas à beira da falência com a desculpa de que iria proteger os interesses dos trabalhadores – Ciferal, no setor metalúrgico e várias do setor de transporte. Refresco-lhe a memória com as indenizações milionárias que os seus donos conseguiram na justiça após a chegada do Moreira, que jogou empresas públicas na via pública das privatizações graças aos escândalos da “era brizolista”. Ele chega a soluçar de raiva do que lhe digo. Mas engole a seco... não consigo dele uma só palavra de concepção crítica das gestões do seu piolho de füher. Mas subitamente desanda a falar e sai defendendo Moreira, Collor, FHC e até elogia Lula, primeiro defendendo as privatizações e depois a abertura lulista às prestadoras de serviço no setor público, inclusive Petrobrás.  Mas quando lhe pergunto algo sobre CEDAE, empresa em que foi dirigente, noto uma série de soluços. E, subitamente, a defesa intempestiva da privatização pura e simples como uma espécie de panacéia para os males da corrupção nas empresas públicas brasileiras. Segundo ele, foi melhor assim. Afinal, ninguém agüentaria uma auditoria, uma abertura de processo realmente conseqüente, uma vez que todo mundo tinha rabo preso, em todos os níveis. Até no funcionalismo, que por ter entrado pelas janelas, não reivindicava nada, não se organizava, não adquiria consciência de sua importância como mão de obra qualificada, nada... sindicato idem. “Vê aí a NOVACEDAE?” É dinheiro público, à disposição do setor privado. O povo só leva fumo! Mas nem reclama. Está sendo duplamente roubado: quando a empresa foi constituída e depois na cobrança do serviço com o qual não empatou um centavo. 

Mas foi melhor assim... ressalta nosso privatista feliz. Em seguida, explica que estatal nenhuma, nunca serviu ao país, ao povo, aos trabalhadores e sempre funcionaram apenas como torneira de desvio dos recursos públicos, sempre roubaram descaradamente, sempre prestaram o pior serviço, sempre foram trampolim para as prestadoras de serviço se criarem e arrebanharem dinheiro e espaço no mercado da sua atividade. “Ta vendo a Petrobrás?” Pode montar quantas Lavajatos quiserem. Nenhuma vai chegar, sequer, próximo da realidade, da dimensão mafiosa montada pelas prestadoras junto com os dirigentes e os políticos. “Nenhuma!...”
Não foi melhor assim?... Finaliza meu privatista feliz.

Mas, privatismos à parte, ele representa um espectro do povo brasileiro hoje, dado o inconformismo com os rumos do país, com tamanha corrupção, com o abandono do patrimônio público à sanha do setor privado, com a decadência política não só dos partidos mas inclusive dos sindicatos, das entidades da sociedade civil, das diversas denominações religiosas, das pessoas em si, enfim... isso explica a nossa apatia. 
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terça-feira, 25 de julho de 2017

Crônica do Soneto Morfêico * Antonio Cabral Filho - RJ

Crônica do Soneto Morfêico


Não sei se todos têm conhecimento dessas mitologias greco-romanas e outras, mas Morfeu é o deus do sono; do sono prazeroso, provedor do sonho, das viagens oníricas e felizes, e Tânatos, deus  do sono feiticeiro, carregado de banzo, cheio de mandingas, cuja meta é dominar alguém para algum objetivo, por exemplo, matá-lo.
Foi devido a essa relação mitológica entre essas duas entidades que escrevi um poema em 2006 intitulado Soneto Morfêico, cujo conteúdo era uma crítica bem ácida contra as formas fixas na poesia. Nessa época eu tinha começado a publicar meu atual fanzine literário Letras Taquarenses e buscava reunir poemas meus e dos amigos que tivessem algum conteúdo fora do trivial, uma vez que a poesia marginal carioca há muito tinha indo para o ralo mercadológico e não restava nada de rebeldia nem contradições sociais, ou seja, acomodação geral... e meu objetivo era continuar incomodando.
Numa das edições do Letras Taquarenses inclui o poema junto com outro intitulado Canto a Ilu-Ayê, o primeiro em forma de soneto e o segundo em versos livres e bem extenso, devido às realidades dos habitantes dos diversos guetos suburbanos das urbis contemporâneas, entre as quais os bairros negros da África do Sul de Mandela.
O fanzine saiu por aí, circulando via correios e eu mandava para qualquer pessoa, sem importar com a estatura intelectual do destinatário. Foi numa dessas que esbarrei com o escritor baiano João Justiniano da Fonseca.
O poema, Soneto Morfêico, por força das circunstâncias, veio a tornar-se um soneto mesmo, inclusive pelas relações com Justiniano. Este, assim que recebeu minha publicação, não parou para respirar. Foi para o computador e largou-me o aço! Confira sua missiva sobre o assunto:
Veja o quarto parágrafo. É o suficiente para medir a verve do missivista. Aproveitei e adquiri o seu livro Sonetos de Amor e Passatempo e resolvi estudar as regras do soneto e meu poema, antes uma mera "zoação", realmente tornou-se um digno poema em forma fixa chamado soneto. Daí em diante nossos contatos se deram em função da publicação da Casa do Poeta, da qual ele já se afastara e dispôs-se a orientar-me para aquisição da mesma. Como percebi as dificuldades dele em ficar respondendo cartas e agradecendo envio de publicações, parei e mantive-me observando-o à distância, por respeito a sua idade e condições de mobilidade.
Mas João não parava. Viajava constantemente para eventos, sobretudo em Sergipe a convite de Ilma Fontes para os congressos da Casa do Poeta de Aracaju.
Seu livro Sonetos de Amor e Passatempo continua comigo,


 agora mais íntimo, uma vez que a Academia Celestial de Letras e Artes - ACLA, está mais festiva, agora que um dos maiores recitadores acabou de chegar.
http://bahiaempauta.com.br/?p=128936 
Confiram as palavras de um de seus netos no link acima.
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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Concepção Brechteana do Homem * Antonio Cabral Filho - RJ

Concepção Brechteana do Homem



Para Bertolt Brecht, o homem precisa ser um ativista em tempo integral. Precisa defender seus direitos 24 horas por dia, para somente assim ter alguma garantia de que sua dignidade humana possui alguma segurança. Isso pode ser constatado em diversos poemas seus e em muitas peças teatrais onde o foco do Autor é pensar a condição humana; vide a peça Mãe Coragem, na qual uma mãe se faz passar por camelô só para acompanhar as atividades políticas revolucionárias do seu filho no movimento sindical.
Seus poemas são verdadeiros panfletos líricos, onde as denúncias da opressão são tratadas de modo a tocar a sensibilidade do leitor e levá-lo a se localizar no universo social circundante e não viver como maria-vai-com-as-outras. Poemas como “Perguntas De Um Operário Que Lê -

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas”

Ou “Intertexto -

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.”
Ou “
O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”

São textos que marcam qualquer um e fazem com que o sujeito se posicione perante o mundo e lute contra toda forma de opressão.

Neste momento em que os trabalhadores, em particular e os oprimidos de um modo geral, perdem Dom Paulo Evaristo Arns, sou levado de volta aos poemas de Bertolt Brecht, às cartilhas de formação cristã das CEBs, da Pastoral Operária, da Comissão Pastoral da Terra e constato que ambos, Bertolt Brecht e Dom Paulo, são faces de uma mesma moeda: os homens imprescindíveis, segundo este trecho de mais um poema: “Há homens que lutam um dia
E são bons,
Há homens que lutam um ano
E são melhores,
Há os que lutam muitos anos
E são muito bons,
Mas há os que lutam toda a vida
E estes são imprescindíveis!”

Bertolt Brecht lutou contra o nazismo, lutou contra o “macartismo” e lutou contra o stalinismo, apesar de todos que o acusam de conivir com este sistema. Mas um trecho de poema seu atesta o contrário, quando interrogado sobre o que fazer com o povo que combate o “fascismo vermelho da cortina de ferro” na RDA, sugere “experimentem trocar o povo”. Poucos ou muito poucos percebem a acidez de sua ironia no marasmo daquele universo político de ditadura de partido único em que viviam. E Bertolt Brecht vai morrer exatamente no momento em que todo o império soviético começa a desmoronar no “Relatório Kruchev”, em 1956.
Embora Bertolt Brecht seja um intelectual da cultura e Dom Paulo um intelectual do catolicismo, ambos são irmãos siameses dos oprimidos: morreram combatendo ditaduras. Suas posições contra a ditadura TEMERosa são públicas e transparentes, sem contemporizações nem  meias verdades. E Dom Paulo deixou sua marca de atuação religiosa junto às CEBs, na Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, na Pastoral de Moradia, na Pastoral Operária, no Movimento Tortura Nunca Mais, e, junto com Dom Pedro Casaldaliga, Frei Leonardo Boff e Frei Beto, constituem o “Estado Maior da Teologia da Libertação” na América Latina, considerados e solicitados por todos os movimentos sociais, leigos e religiosos, para conferências, palestras e estudos sobre os meios de combater a opressão capitalista. Além disso, deixou-nos 49 livros onde buscarmos ensinamentos. Salve Dom Paulo! Descanse em paz!!
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domingo, 27 de novembro de 2016

Festas Literárias SA - Crônica * Antonio Cabral Filho - RJ

Festas Literárias SA


Sempre gostei de "Feira de Livro". Desde moleque. Não perdia nenhuma e às vezes fazia delas o meu programa de fim de tarde ou de semana mesmo. Como dizíamos nos anos 80, o galã perfeito é aquele que tem uma programação para envolver a dama até ter certeza de que ela quer mesmo ir para a cama e as feiras de livros ajudaram-me a "matar muito gado..."

Após a adolescência, fui trabalhar em livraria e sempre que as empresas precisavam de alguém para tomar conta de suas barracas na feira, eu me apresentava. Trabalhei em quase todas as melhores livrarias do Rio de Janeiro, menos a Da Vinci, infelizmente. Depois de adquirir uma boa experiência, montei a minha, lá em Niterói, primeiro dentro da UFF, depois na rua, ao lado da entrada principal da universidade, na Avenida Visconde de Rio Branco, 641. Durante os meus dezesseis anos como livreiro, organizei muitas feiras pelo leste fluminense afora, indo às vezes até Volta Redonda, sempre contando com a participação dos livreiros amigos, tanto de Niterói como dos municípios aonde realizaria a feira. Era só fazer um ofício dirigido à secretaria de educação e cultura da cidade solicitando autorização para o evento, pagar a taxa de ocupação do espaço e vender as vagas aos interessados. Cada um montaria sua barraca, que era alugada com um fornecedor de estruturas para feiras. Ele trazia as barracas, e dependendo do contrato, ele mesmo montava e desmontava. Nós só tínhamos o trabalho de expor a mercadoria, abrir e fechar, mais nada. A segurança era por nossa conta, a manutenção também; então nós nos revezávamos ou pagávamos terceiros para limpar e tomar conta à noite. 

Durante todos esses anos, nunca tivemos a participação de "patrocinadores" nem qualquer tipo de financiamento. Nenhuma das editoras que integravam essas feiras contribuía mais do que o mesmo que cada livraria ou sebo, pois nosso tratamento era igual, embora compatível com o espaço adquirido. As responsabilidades eram as mesmas para todos e cada um arcava com o compromisso assumido; sem mais nem menos. E, talvez por isso, a minha saída do ramo fez acabar com esse empreendimento.

Logo assim que parei, comecei a observar o surgimento do setor de atividade "produção de eventos", ano 2000 mais ou menos. A Feira da Providência foi o primeiro que visitei para ver a estrutura e o modo de organização. Pude concluir que o foco ali não era a "providência...", mas sim o resultado. O evento tinha que dar o "lucro certo" apenas para o "organizador", e este se lixando para os expositores. Constatei o desespero de algumas livrarias - sebo nem pensar - inclusive de médio e grande porte, suando frio para conseguir vender alguma coisa, graças, inclusive ao enxame de similares - várias livrarias do ramo livros espíritas, do ramo humanidades, do ramo infanto-juvenil etc. Esses detalhes devem ser levados em conta na organização do evento...

Fazia muito tempo, eu já andava de olho na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, surgida em 1983, sempre observando o modo de organização, a cobertura da imprensa, a presença de nomes relevantes para a literatura e para a cultura não só nacionais. Sempre me chamou a atenção a importância dada às livrarias, nem sempre valorizadas, graças ao espírito competitivo estabelecido como uma especie de "regra pétrea" na concepção do evento. Constato, sem nenhuma satisfação, que o objetivo não é vender o livro, mas sim, tomar dinheiro de quem vai lá... sejam expositores sejam consumidores.

Inicialmente, achei que fosse "pinima" de minha parte, e fui estudar outros exemplos Brasil a fora. Percebi que os piratas/salteadores/batedores de carteiras do Rio eram pivetes brincando de malandros. Quando descobri o valor do metro quadrado na Bienal de São Paulo, tive um calafrio. No resto do pais, não é diferente e, pra piorar o panorama, surgiram as "FLI": Festas Literárias Internacionais, que de festa não tem nada e de internacional muito menos. É só venda de espaço, exploração de marcas, marketing editorial, estrelismos em troca do cachê e conversa fiada como conteúdo intelectual. 

A primeira FLI de que tenho conhecimento em chão nacional é a Festa Literária Internacional de Parati - FLIP, criada em 2003, idealizada por uma agente literária chamada Liz Calder, da Bloomsbury, que morou no Brasil, e foi inspirada no festival Hay on wye do Reino Unido. Daí em diante, um complexo de patrocinadores e investidores tomou conta sob a bandeira "ongsta" sem fins lucrativos Associação Casa Azul, compartilhado com o Festival Internacional de Autores do Canadá e com o Festivaleletteratura Mantova italiano, para dar um toque internacionaleiro ao evento; mais nada... Depois, nós já sabemos: faça um levantamento da quantidade de "Festas Literárias Internacionais - FLI" existentes hoje no Brasil.

Aqui no Rio não poderia ser diferente. Afinal, com o grassamento do neoliberalismo pelo aparelho de estado a dentro, melhor seria mudar seus nomes e ao invés do "Literária Internacional" que tal "Liberal Internacional"? Pelo menos fica tudo às claras, já que é pra sugar os cofres públicos, usar e abusar das ditas "Leis de Incentivo" à cultura, lavar dinheiro sujo, sustentar parasitas tipo Rede Globo, atravessar dinheiro para apaniguados de toda espécie, usando um disfarce tão bonito, o livro. Outro ingrediente desse angu são os escritores e/ou artistas envolvidos. Ninguém tem direito de dizer-se alheio-não informado ou algo que o valha quando se trata de verbas públicas. Nenhum artista, de setor nenhum, pode alegar irresponsabilidade quanto à origem dos seus cachês. Se advem da iniciativa privada ou dos cofres públicos, quiçá do "crime organizado", ele sabe muito bem... Por isso é que sempre vem à tona as divergências quanto a esses aspectos do financiamento das feiras expressos por Paulo Lins ou Luiz Ruffato numa dessas edições anteriores da Feira de Frankfurt. Daí, não podemos aceitar "artista vaquinha de presépio" que fica vagando pelos eventos fazendo gracinhas quando são questionados sobre tal ou qual resposta deram a uma pergunta oriunda do público. É bom ficarem atentos... os tempos estão mudando... sobretudo em tempos de "ditabundura..."

Em relação a isso, o Rio de Janeiro virou uma só feira de "FLIs": tem a da FNLIJ - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvemil em junho, a Primavera Literária em outubro e, agora, o Boulevard Literario, para dar um toque "culturar" ao deserto do cais do Porto e colocar dinheiro no bolso dos promotores, mais nada... senão, consultem a mídia impressa do evento e vejam a quantidade de patrocinadores, destaquem os órgãos públicos e digam-me se estou de pinima... 

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Rua Lima Barreto - Crônica * Antonio Cabral Filho - Rj

Rua Lima Barreto


Rua Lima Barreto, ora...Quem vai saber se existe isso! Ninguém anda por aí se perguntando quem é o sujeito que batiza a rua. Todos cruzamos com personalidades pelas ruas a fora e nem perguntamos quem são, como se deu dia desses comigo. Fui levar um dito cujo no "Lourenço Jorge" e deparei com o Luis Carlos Prestes; saindo de lá, passei pela "Airton Senna", fiz um retorno e segui a "Abelardo Bueno"; e devido a um desvio de trânsito, fui pela "Salvador Allende", passei pela Estação Guinard do BRT, entrei na "Benvindo de Novais", saí na "Bandeirantes" e segui direto até a esquina da "Olof Palme". Aí, parei e pensei nesse troço... Quem são essas pessoas? Por que não nos perguntamos quem são? E por que elas estão sendo homenageadas dando nomes às ruas, praças, avenidas ...
Era sábado de manhã e eu tinha ido comprar um miúra, que até estava barato. Parei na esquina, olhei para os lados e vi a placa: Rua Lima Barreto. Imediatamente, veio a satisfação de saber que um escritor brasileiro, negro, pobre, discriminado inclusive por negros, entre eles Paulo Barreto - o João do Rio - e Machado de Assis, o fundador da Academia Brasileira de Letras, era homenageado como nome de rua exatamente no bairro que lhe viu morrer. Dirigi-me a uma lanchonete com o intuito de tomar um café enquanto esperava o vendedor do carro. E, mal dei dois passos, vi aproximar-se de mim um preto velho. Cumprimentou-me, educadamente, o que provocou a minha curiosidade. Queria saber se eu podia lhe pagar um lanche. E respondi-lhe "claro!"; convidei-o a sentar-se comigo e fomos adentrando o estabelecimento. Logo, sem a menor desfaçatez, apareceu um sujeito branco, estatura mediana, vestindo um uniforme azul todo puído, interpôs-se à minha frente informando que "ele não pode entrar", se referindo ao preto velho, acrescentando "é mindingo!". Informei-lhe que se tratava de um amigo meu, e que ele ia fazer um lanche junto comigo, "mas ele não tem com que pagar...", disse o moço colando seu corpo ao meu de modo a impedir mesmo que eu entrasse no estabelecimento acompanhado daquele velho negro solicitando apenas o que comer. Empurrei-o com energia e disse-lhe que se repetisse aquelas palavras e se tocasse em mim ou no velho, sairia dali preso. Imediatamente, apareceu um senhor branco, forte, atlético e se apresentando como proprietário da casa, dizendo-me que "aqui quem manda sou eu! Ele não entra e você pode se retirar junto com ele pro seu bem!" E pôs as duas mãos na cintura pra realçar o tórax, fitando-me intimidadoramente. "Pois não. Vejamos!", disse-lhe e peguei o celular, liguei para a polícia e chamei um jornal, enquanto mandava o meu amigo se sentar a uma mesa desocupada. Ordenei-lhe que servisse o que ele pedisse e que chamasse o seu advogado para acompanhar-lhe à delegacia. A polícia e o jornal chegaram juntos, e mandei fotografar o"proprietário" e todo o estabelecimento, constatando que não havia nenhum funcionário negro. Fui entrevistado enquanto tomava uma cafezinho e a audiência em torno se movimentava, assistindo à polícia algemar o dito cujo. Paguei a despesa e fui para a delegacia fazer o BO, ligando para as entidades de direitos humanos e movimento negro. Na delegacia, recolhemos os depoimentos de várias testemunhas, tudo devidamente repassado aos jornais que foram aparecendo, inclusive rádios de diversas potencialidades. Tudo concluído, o "proprietário" ficou trancafiado por prática de racismo, danos morais e tentativa de homicídio devido aos empurrões que trocamos. 

Ao sair, o Preto Velho acompanhou-me pedindo desculpas pelo transtorno que me causara, e ia se despedindo quando perguntei-lhe se não podíamos sentar e conversar um pouco. Ele ficou surpreso, olhou-me com os olhos arregalados e respondeu "com prazer!" e foi se dirigindo a uma pracinha cheia de bancos de concreto.  Lhe disse que iríamos sentar lá na lanchonete do valentão e iríamos lanchar melhor agora, com mais tranquilidade, e um racista na cadeia aguardando processo. Fomos, entramos e nos sentamos, e o mesmo funcionário de uniforme azul puído nos atendendo, pedindo desculpas e se desdobrando em atenção. 

Depois de servidos, lhe perguntei quem era aquele sujeito "Lima Barreto" que dava nome à rua; ele começou a contar a vida do Lima, falando da doença do seu pai, da mudança para a Ilha do Governador, depois para Todos os Santos, ali bem ali mais acima da esquina, mas o Preto Velho interrompeu-lhe mostrando o livro Bruzundangas, e dizendo "aqui está a história dele...!"

Olhando para os dois ao mesmo tempo, aproveitei para inquirir ao garçon por que agira daquela forma "racista" com o nosso amigo,  e ouvi-o explicar envergonhado, que "cumpria ordens, o senhor sabe comé qui é..." e informou que às vezes embrulhava comida e dava para o "Lima Barreto" apontando para o meu amigo Preto Velho, que confirmou, reafirmando inclusive que seu nome na rua era Lima Barreto.

sábado, 29 de outubro de 2016

Amor de Mãe - Cronica * Antonio Cabral Filho - Rj

Amor de  Mãe
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Sempre que o sol se punha, de manhã ou de tarde, meu pai dizia: 'Vamos que é hora da onça beber água', e lá íamos nós esgueirando por entre o cipoal da floresta, evitando ruídos até deitarmos sobre uma imensa pedra que fica acima da nascente da serra, onde a bicharada vem beber água. Raposa não; não matávamos porque não tem carne. Lobos, às vezes, se estiver gordinho. Pacas, sempre, pois se alimentam de raízes leguminosas e é uma carne gostosa. Tatu, só quando entocado, pois em campo aberto ninguém lhe pega, graças ao casco que lhe permite camuflagens e às dificuldades para agarrá-lo. Cutia? Cutia também não matávamos não; é pouca carne. Catitu, é um caso a pensar, se estivermos bem entocados o suficiente para recolhê-lo antes que a manada chegue, pois é costume da família comer o corpo do ente morto para o mesmo não ser comido por outros animais. Onça, ah! Onça, é bom demais matar uma, mas tem que ser com um tiro fatal, de preferência na testa enquanto ela está de cabeça baixa bebendo água. Cai no ato. Aí tem-se que ter o cuidado de dar um tempo pra ver se não aparece companhia, senão vai virar tira gosto...

Era sempre assim. Às vezes, ficávamos horas a fio, tocaiando, esperando, conversando monossílabos, fazendo gestos, assuntando os ruídos da floresta, assovios de cobra, principalmente cascavel. Ela imita os assovios de outros bichos para atrair presas desavisadas e caçá-las. Mas, às vezes, ouvíamos orquestras de assovios! Era a macacada. Grunhidos dos machos dominantes, se destacavam dando ordens, alertando para os perigos. Eles vinham na frente, examinando o caminho; outros ficavam nas copas mais altas das árvores, para ordenar a retirada em caso de ataque. É uma verdadeira organização militar e que não deixa de ter sentido. Verificam a fonte, estudam o terreno e depois de convencidos da tranquilidade, liberam o consumo e o banho. Aí é como dizemos nos ditados populares: "festa da macacada". Uma algazarra das mais barulhentas, o que acaba por atrair predadores, todos os carnívoros, que atacam e, geralmente, com sucesso, devido ao pânico generalizado. Raposas, lobos, catitus são seus piores inimigos, são carnívoros vorazes, e seus ataques são precisos, pois destroçam a vítimas em poucos minutos. 

Mas a exceção são as macacas, que nunca expõem os filhos ao risco. Elas esperam lá do alto das árvores, com eles nos cangotes, acarinhando-os, catando piolhos, lambendo-os para contê-los, fazendo pequenos grunhidos como se estivessem falando com eles alguma história, e estão. Ficam lá até tudo se acalmar, e todo mundo ir embora, quando examinam os arredores e, se comprovar que não há surpresas, elas descem e bebem água, se banham, e então chamam os filhos para se servirem. Depois, poem-nos ao pescoço e saem voando de árvore em árvore, rumo local de repouso da manada.

Certa vez, eu e meu pai estávamos deitados sobre a pedreira e avistamos uma macaca imensa sentada no galho do carvalho, comendo castanhas junto com o filhote e tão logo nos notou, colocou-o sobre os ombros e continuou saboreando as  castanhas. Aí meu disse-me "aponte a arma para ela, mas sem atirar" e apontei. Rapidamente, ela pegou o filhote e colocou-o à frente dela. Então contive a espingarda e olhei para papai, que fitou-me rindo e disse interrogativamente "viu". Perguntei-lhe por que ela fez aquilo e ele respondeu-me: Pediu clemência, demonstrando que tem um filho para criar. Mas como ela bolou isso? Interroguei confuso e meu pai explicou, ao longo da caminhada pra casa, que os animais também são inteligentes e nós é que não alcançamos o modo deles se comunicarem, que isso é uma deficiência nossa...

E hoje, à tarde, enquanto o sol caía, fui passear no bananal e fiz o mesmo gesto com meu neto, e ao ver as suas dúvidas sobre os macacos comendo nossas bananas, sugeri que apontasse a espingarda para  uma macaca com seu filhote no cangote, e ele fez-me a mesma pergunta que fiz a meu pai. Mas diferentemente da primeira vez, desta notei, talvez dada a proximidade, que a mãe macaca chorava.
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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Orquestra de Cabaças - Crônica * Antonio Cabral Filho - Rj

Orquestra de Cabaças
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Orquestra de Cabaças

Não sei como é a vida de quem nunca vivenciou um golpe, seja do tipo militar, como em abril de 1964, feito pelos militares brasileiros, em nome da moral e dos bons costumes e contra o “comunismo”. Seja do tipo civil-delinqüente, realizado pela nata da corrupção, a serviço do capital financeiro internacional, apátrida e inescrupuloso, a ponto de contratar mercenários da laia de um josé serra servo da vagabungem, de aécio trombadinha cocaineiro neves, de eduardo cunha quadrilheiro evangélico das contas secretas nos paraísos fiscais, de michel temer cabeça de ponte bola da vez, de mágicos fernandos henriques dos clubes secretos de investidores e consortes da ratazanada sedenta por uma migalhasinha das mesadas do imperialismo capitaneado pelos USA de Barac Obama e CIA. Sinceramente, não sei. Não sei como vivem pessoas que se dizem neutras, independentes, alheias, odiadoras da política, mas que estão sempre dizendo que “devemos esperar, dar um voto de confiança ao homem, que devemos pensar no país, parar de viver criticando” e outras idiotices de gente covarde.

Mas sei e muito bem como é a vida de quem sempre teve o lado definido em qualquer conjuntura política nacional ou internacional. Sei como é a vida de quem sempre esteve do lado dos explorados, do lado do seu país, e contra quaisquer interesses anti –patrióticos, anti – proletários, anti – povo, anti – trabalhadores, anti todos aqueles que suam as camisas para ter o pão-de-cada-dia sobre a mesa dos filhos.

Digo isso para chamar a atenção de quem neste momento ESTÁ A FAVOR DO GOLPE, porque está cometendo o mais horrendo dos crimes, está matando os próprios filhos e atirando os cadáveres dos seus antepassados aos urubus, está tomando a mais triste das atitudes e faz isso em nome do combate à corrupção, mas ignorando todo o papel das elites políticas e econômicas, não apenas nacionais, que sempre sugaram a força de trabalho brasileira e as riquezas deste país, sejam aquelas produzíveis sobre o solo, sejam as riquezas encontráveis no subsolo nacional, como o PRÉ SAL.
Faz-se necessário ter em conta de que tanto o petróleo brasileiro, como o pré-sal, são riquezas nacionais, que pertencem ao povo brasileiro, fazem parte do patrimônio desta nação, e que por direito inalienável, não podem ser entregues nem vendidos a nenhuma empresa, seja nacional ou estrangeira e muito menos ao controle externo de governo nenhum, e sequer aos USA. Quem duvidar destas palavras, consulte a Constituição de 1988.

Digo mais, a quem nunca vivenciou um golpe, que ninguém precisa arrancar dente para saber que dói, como também não precisa ter trabalhado em troca do salário mínimo para saber como é a vida do trabalhador; basta verificar o poder de compra daquela quantia no momento exato. Da mesma forma, ninguém precisa ser burguês para saber o que é explorar a mão de obra alheia, apesar de haver muito infeliz dono de uma empreseca que paga tão mal a seu funcionário como qualquer grande grupo econômico, ou o contrário: há muito trabalhador qualificado ou não que se acha patrão, e humilha, maltrata, ofende, e até bate em colegas de trabalho por se sentir poderoso dentro da empresa em que trabalha, ignorando que um processo contra a empresa por maus tratos a um funcionário vai atingi-lo em cheio, quando a mesma tiver que pagar as indenizações pelos crimes cometidos por ele.
Essas questões que estou colocando são o chão sobre o qual avança a passos largos o GOLPE DELINQUENTE NO BRASIL, que começou com o rol de acusações infundadas à presidenta eleita Dilma Roussef e se aprofunda a cada dia com novos atos, cada qual deles mais GOLPISTA, e que exigem uma resposta cada vez mais contundente de todo o povo, independente de partidos, para dar fim a esse caos, mas necessariamente dos mais humildes, de todos os trabalhadores qualificados ou não, pois todos, sem tirar nem por, estamos sob a mesma mira: a miserabilidade total.

Gostaria que observassem os passos do escroto interino na presidência da república, vejam que até agora, só foi recebido com pompas pelo governo japonês, que é um dos insufladores do golpe desde o primeiro momento, junto com USA/Barac Obama e nos demais lugares aonde tentou posar de galã, foi rechaçado. Vide reunião da ONU e dos Países Ricos. Observem também seu comportamento interno, que apesar de toda a sua rejeição pessoal, o seu partido fez a maioria das prefeituras e vereadores nas eleição de 3 de outubro, apesar de todas as denúncias de manipulação da urna eleitoral, que a cada dia a sua rejeição fica mais visível até para seus bajuladores espontâneos – aquelas pessoas miseraveisinhas que não ganham mais do que pé nas bundas e continuam elogiando – o. É patente que a sua política de arrocho já chegou aos bolsos da classe média, que vai pagar mais imposto de renda no próximo exercício, e que o povão em geral vai comer muito menos do que até agora.

Bom, essa política GOLPISTA só tem um pé em que se sustentar: é na fascistização do regime político daqui por diante. Ele terá que fechar a sociedade dentro de um regime de exceção mais do que já está e passar a impor seu estado de sítio, a exigir que a sociedade cumpra as suas ordens, tais como não usar a palavra GOLPISTA, como ele se pronunciou na posse de GOLPISTA OFICIAL, e ditar que todos terão que bater-cabeça para ele quando ele quiser platéia para aplaudir seus discursos de farsante.

Quem não vivenciou esse tipo de coisa, infelizmente não sabe do que estou falando. Claro. Vamos dar um desconto. Baba ovo de GOLPISTA desinformado é um bosta mesmo. Mas eu vou refrescar-lhes a memória, vou contar-lhes um caso de 1964. Nessa época, eu tinha 11 anos e acabava de ser matriculado na escola de meu povoado, construída em mutirão sob as ordens dos golpistas, para dar a impressão de que eles eram a favor de nós, o povão. Faziam discursos de todo tipo, acusando os “comunistas” de nunca terem erguido uma escola para nós. Nos deram material escolar carimbado” Aliança Para o Progresso”, vindo dos USA, ganhávamos cestas básicas com leite em pó carimbado “Aliança Para o Progresso”, livros e mais livros, cadernos e mais cadernos, cartilhas de alfabetização, tudo com o carimbo “Aliança Para o Progresso”. Muito bom, até aí, tudo bem. Qual o problema da origem das doações? Aparentemente, nenhum. Não iríamos ligar mesmo para isso. Mas viriam os resultados: logo começou uma campanha contra os sindicatos, na maioria, de trabalhadores rurais, de que eram insufladores de guerrilhas, de comunismo, de que recebiam dinheiro – ouro de Moscou – da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou seja, eram acusados de serem agentes estrangeiros encarregados de derrubarem o regime em prol do comunismo no Brasil. Os padres que realizavam trabalhos de catequese e alfabetização pelas fazendas a fora, foram todos expulsos da região acusados de comunistas  e em seus postos, foram assentados padrecos a serviço do latifúndio, todos fazendo homilias a favor dos milicos e dos fazendeiros. E passaram  a fazer comemorações de todo tipo para envolver o povo. O calendário cívico nacional, com todas as suas datas comemorativas, passou a ser divulgado na escola e em todas as igrejas, com algumas fazendas fazendo uma espécie de sarau aonde se propagava as datas cívicas, com apresentação de música e poesias. Pasmem! Mas o melhor ficou por conta do sete de setembro de 1964. Ninguém na região ligava para essas datas. Bobagem! Diziam aqueles caipiras mais renitentes. E os puxa-sacos de plantão tinham que encontrar um jeito de fazer uma PARADA digna desse nome, tinham que reunir o máximo de gente, tinham que trazer a criançada uniformizada de azul e branco na frente, feliz e sorridente, todo mundo batendo percussão e tocando algum instrumento musical. Foram arranjados um monte de caminhões cobertos de lona para buscar o povo lá nas fazendas, de repente apareceram professores de música para nos ensinar a tocar para embelezar a PARADA,  a cozinha da nossa escola virou o restaurante da multidão – lanche para todo mundo o tempo todo, a nossa escola virou um acampamento dos mais numerosos que eu já tinha visto, mas mesmo com todo esforço dos GOLPISTAS DE PLANTÃO, os instrumentos musicais foram insuficientes para completar uma banda e foi necessário a criatividade popular, a cultura do povo teve que ganhar o seu espaço e provar a sua superioridade: um mestre de catira bem roceiro, analfabeto até a alma, falou para um PROFESSOR GOLPISTA: nóis pode pô cabaça nessa orquetra? É claro que o dito cujo ficou sisudo, deslocado, sem saber o que fazer dos cascos, até perguntar entalado: “Mas como?” Aí o mestre catireiro respondeu: “Nóis fais a percussão de cabaça e ocêis toca suas cordas...” Refeito do estranhamento, o professor GOLPISTA propôs um ensaio. É aí que eu entro. O Mestre Tião disse ao Maestro Professor Golpista que eu iria trazer uns burros carregados de cabaça e que ele iria treinar a meninada na lida com elas. Assim ficou acertado. Treinamos várias vezes separados, até acertarmos os compassos, aqueles tempos entre um instrumento e outro. Depois fomos ensaiar junto com os instrumentos de corda, de sopro, e sanfonas. No início, só fazíamos a marcação, ocupando o lugar do bumbo, depois na passagem das cordas para os outros instrumentos, nós fazíamos um ripique. Bom, dizer que foi um grande sete de setembro, não. Dizer que foi a PARADA dos sonhos dos GOLPISTAS, também não. É que houve um incidente em que eles viram a sua rejeição: a única parte da apresentação da orquestra na qual o povo se levantou para aplaudir, foi a apresentação da criançada tocando cabaça. Mas sabem por que: os instrumentos grã-finos foram todos colocados nas mãos dos filhos da elite do lugar: os fazendeiros. E como a massa era a maioria, nós arrebentamos.
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segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Economia Política da Latinha - Crônica * Antonio Cabral Filho - Rj

Economia Política da Latinha
(Foto: assis metasi )
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Economia Política da Latinha

Quem anda pelas ruas das grandes cidades brasileiras, talvez por distração, não nota a economia mundial circulando ao seu lado, utilizando para isso uma das mais brutais formas de exploração, o trabalho braçal, quando homens que em sua maioria não possuem qualificação profissional suficiente para ocuparem espaço no mercado de trabalho formal, estão arrastando um carrinho de duas rodas chamado 'burro sem rabo' carregado até às nuvens com todo tipo de quinquilharia que lhe possa render 
algum trocado nas recicladoras. Ocorre que estas têm uma política de preço, em sua maioria, articulada com o preço de mercado internacional do produto em causa.

No caso do alumínio, ele possui várias classificações, e, o mais caro é o tipo HG, que nem vale a pena se perguntar o que quer dizer. Mas deixa pra lá. Vamos apenas tomar um tipo como base para pensarmos o modo como as recicladoras explora os catadores. Esse tipo de alumínio está cotado hoje, 17 de outubro de 2016, a US$ 2.099.476 tonelada, o que em valores nacionais corresponde a quase 10.000,00 reais. Ou seja, a recicladora tem de rebaixar o preço do alumínio do catador para permitir-lhe elevar a sua margem de lucro no repasse para os exportadores. Por exemplo, em Jacarepaguá, oeste da cidade do Rio de Janeiro, o catador está recebendo R$2,50 por quilo de latinha, e esse preço permite que o seu comprador consiga até o dobro lá no repasse. Pensando bem, se ele conseguir operar com esse preço/kg, a tonelada sairá por R$2.500,00, ou seja, um quarto do preço de mercado internacional. Com essa base, ele tem maior margem de barganha com os exportadores. Quanto ele vai conseguir na revenda do alumínio, a gente não sabe. Mas o que a gente pode assegurar é que ele tem três vezes mais chances de conseguir um bom negócio. 

Mas nessa matemática financeira toda há um detalhe que dificilmente alguém percebe: é o fato de o catador estar informado da política de preços internacionais dos produtos por ele recolhidos, e mais, saber o que é uma commodity.

Dia desses eu estava indo ao correio postar uns livros para clientes e me deparei com um catador orientando outro sujeito que me pareceu ser catador também e percebi que ele falava sobre essa política de preços internacionais. Segundo ele, o alumínio brasileiro estava perdendo para outros concorrentes devido ao fator processamento; que o alumínio brasileiro estava saindo daqui em estado bruto - matéria prima - enquanto nos demais países ele era prensado em lingotes, devidamente medidos e pesados, obedecendo a acordos entre os negociadores, o que agregava valor ao produto final. Nesse momento, o catador puxou do bolso uma folha de jornal, devidamente dobrada, abriu-a e mostrou para o outro as referências sobre os tipos de alumínio e os referidos preços por tonelada de cada um. Ambos se dirigiram para a lanchonete mais próxima, sujos e esfarrapados como estavam e pediram uma garrafa pet 2 litros de água. Se sentaram  à mesa e começaram a debater os preços que recebiam por quilo de latinha catada.

Achei aquela conversa dos catadores tão instrutiva que saí de perto deles  com  a cabeça devidamente mudada sobre o tipo de gente que cata latinhas, e agora sinto-me abalizado para considerar que não se trata de tabaréus ignorantes e burros, covardemente roubados pelos receptadores, mas convencido de que dependendo da conjuntura política internacional, podem até influenciar na política de preços locais, justamente por se tratar de pessoas esclarecidas e capazes de entender as relações sociais e a economia política em que estão inseridos.

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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Somos Todos Ceciles * Antonio Cabral Filho - Rj

Somos Todos Ceciles
-Parque de Hwange - Zimbábue-
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Votei às 8.30 hs. Portanto, longe de qualquer chance de avaliar o resultado das eleições 2016.
Mas, cá, do alto da minha bestuntice mineira, eu dizia para os meus botões que o Crivela ganharia, que submeteria a cidade a um banho de fogo, o qual ele chamaria de sagrado, que as bocas-de-fumo, as vielas do baixo meretrício, os inferninhos da bandidagem e todos os locais eleitos pela sanha do crime organizado seriam elevados à categoria de "lugares santos" e legalizados para alegria e júbilo do "Senhor", não Jesus Cristo ou Deus, mas o Bispo Macedo, desde que chegassem juntinhos com os seus respectivos "mensalões" promovidos a DÍZIMO. 
Matutei também sobre suas alianças, não com as outras correntes religiosas, buscando construir um "Estado Islâmico Evangélico", uma espécie de WASP ( White=branco; A=anglo; S=saxônico; P=protestante) norte-americana, para implantar algum tipo de terror inédito, mas sim com as construtoras, sobretudo aquelas mais envolvidas nos mensalões da Lavajato, que seriam todas convocadas, às pressas, para construir catedrais, catedrais enormes, de arquitetura futurista, em padrões nunca vistos, todas devidamente superfaturadas, para o bem da sua igreja e felicidade geral de tantos bispos. E,como conheço bem o seu ódio a esta cidade maravilhosa, presumo que reuniria todos os seus bruxos-milagreiros e invocaria todos as forças das profundezas, em mais uma daquelas demonstrações de força, concentrando milhares de fiéis em alguma via pública estratégica para o trânsito, de modo a engarrafar toda a cidade, causando o máximo de desconforto a todos, independente de ser quem o elegeu ou não, tudo, só para evocar as "forças superiores" a mandarem sobre nós o mais tenebroso temporal de desgraças, promovendo a miséria mais horrenda através da distribuição de pragas apocalipticas das mais assustadoras.
Mas chega o meio-dia. Constato pelo noticiário o que meus instintos de matuto anunciaram: ele está liderando as intenções de voto nas pesquisas de boca-de-urna, bem seguido pelo PP bad-boy e por Rambo Mary Juana. "Não falei?!", disse o Caboclo Dorme-em-pé, confirmando meus prenúncios.
Decido ir procurar o que fazer, 
arrumar algo pra ocupar a minha cabeça e vejo a caixa do dvd O Grande Ditador, do Charles Chaplin. "UM!", gritou meu caboclo, e fui ver o filme. Enquanto isso, o Caboclo Dorme-em-pé me dizia que a cidade, talvez o país, caísse no mais tenebroso degredo de que se tem notícia, desde o fatídico 1º de abril de 1964, quando os milicos deram uma "noite de São Bartolomeu" ao povo brasileiro, repetida, como ópera bufa, em 31/08/2016, no impeachment de dilma lula pt, que agora se espraiaria  por todo os país, como um apocalipse tsunâmico, a partir da Cidade Maravilhosa...
Acabou  filme e fico desolado... Não consigo crer em nada do que se passa em minha mente. Resolvo desligar tudo e ir dormir, pois preciso trabalhar mais tarde. 
Dia seguinte, segunda-feira, sete horas, confiro os noticiosos. "Não falei..." diz o profeta Caboclo Dorme-em-pé; que será de nós, e lembro-me do leão africano do Zimbábue, morto por um turista gringo, sem expressar a menor ameaça ao energúmeno, por se tratar de animal adestrado. Cecil era seu nome, tinha 13 anos, uma das estrelas da Parque de Hwange, morto por Walter Palmer, e meu subconsciente Caboclo Dorme-em-pé questiona "vamos todos ficar esperando algum Walter Palmer caçar-nos?..."
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